19.1.17

POEMA DE INVERNO

Veio de longe, e mal chegou
partiu para mais longe ainda:
só o tempo justo para fazer
das águas dormentes  do meu trôpego
coração
um rumor de sílabas matinais.

Como toda a gente que partilha
com a luz a sua vida
era muito inocente, trazia do local
onde nascera
o ardor das coisas do mar.

Não sei de alegria mais pura
como a que morava nas molhadas
pedras dos seus olhos,
e baila ainda nas chamas
em qualquer lugar da casa.

Ao fim da tarde, o canto
do pequeno pássaro e o vento diziam
a mesma coisa: não deixes o incêndio
do deserto invadir-te o coração.
Sem que tu o suspeites, sequer.

Eugénio de Andrade

Os Sulcos da Sede, Editora Fundação Eugénio de Andrade, Porto, Setembro 2001





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