10.4.13

Bode expiatório

Olha, meu velho,
vê o aparato,
fazem de ti
gato-sapato
com o aperto
(obrigatório?)
de que és o bode
expiatório.

Repara bem
nas ameaças
destes fedelhos,
e nas trapaças.
Mudam as leis,
trocam as normas,
dão-te dois reis
de mel coado,
baixam pensões,
esbulham reformas,
tributam mais
taxas, impostos,
tiram-te a pele,
esburgam-te os ossos.

Falam de peste,
peste grisalha,
e desinvestem
em quem trabalha,
o desemprego
desenfreado,
desassossego
de cabo a rabo;
e tu o fardo,
ora a velhice,
mais um agravo
sobre a mesmice.
Já não respeitam
cabelos brancos,
surdos e cegos,
mudos e mancos.

Abrem as covas.
Buscam heranças
com acrimónia,
letras, livranças,
pratas, baixelas
e dentaduras
novas e velhas,
rendas futuras,
acções cotadas
e promissórias,
penduricalhos
e vanglórias.

Vê a perfídia
dos paus-mandados
que manipulam
factos e dados:
usam falácias
e silogismos
para cevar
os egoísmos.

Ora, meu velho,
vê lá se acordas,
se te precatas
perante as hordas
de jovens turcos,
velhas raposas,
muitos eunucos
que te destratam
e amofinam
e desacatam
e mortificam,
vê lá se ousas
erguer a voz,
bater o pé
e dizer não,
não à má-fé
do vil projecto,
plano atroz
que te espezinha
e faz de ti
um objecto
que desarrima:
mastins da usura,
com insolência
chocam o ovo
da ditadura,
da prepotência.

Basta, meu velho,
basta de medo
e de vingança.
Antes que tarde,
responde ao vezo
da contradança.

© Domingos da Mota



13 comentários:

  1. Parabéns!
    O Poeta disse um dia: "A poesia é uma arma..."
    E eu estou to-tal-men-te de acordo!

    Um abraço poético e fraterno!

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    1. Cara Conceição,

      Obrigado pela visita e pela atenção ao disparo da arma!

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  2. Há muitos anos, muitos, quando escrevia algumas larachas poéticas, sempre me disseram que a poesia não é para ser comentada. Ou se gosta, aprecia, ou não se percebe e não se gosta.
    Não é o caso.
    Em todas as pequenas linhas lê-se sempre a essência do poema, como tanto gosto.
    Parece-me que é tudo.

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  3. Caro José Torres,

    Penso que a poesia pode e deve ser comentada. É o que fazem alguns críticos literários, entre outros. Devemos contudo ter sempre presente o que disse Mário Quintana a propósito de se perguntar a um autor sobre «o assunto do poema: (...)".
    Grato pela visita e pelo comentário.

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  4. A little respect, diria Aretha Franklin.

    A ver:

    http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=6FOUqQt3Kg0

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    1. Cara Dália,

      Tem razão.

      Obrigado pela referência.

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  5. Digo apenas que gostei muito e concordo com a análise e consequente critica.Mais comentários para quê se está tudo lá com ironia amarga que baste? ("...vê lá se ousas erguer a voz, bater o pé e dizer não..."). Ousemos então, em cada lugar e em cada momento do(s) nosso(s) dia(s).






















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    1. Caro Anónimo
      (deste séc.xxi),
      obrigado pela apreciação, e mais ainda pela vontade expressa de erguer a voz, bater o pé e dizer não.

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  6. Domingos,
    A crítica social é sem dúvida uma razão para se escrever poesia, principalmente quando tem o objetivo de sacudir consciências acomodadas.
    Beijo
    Nanda

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    1. Cara Nanda,

      Obrigado pela visita, e pela apreciação do poema.

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  7. Caro Amigo Domeingas da Mota, que dizer sobre este poema???!!!..."roubei" e vou dar-lhe o eco que merece através da minha voz.
    Abraço.

    eduardo roseira

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    1. Eduardo Roseira,

      Que dizer da troca do meu nome?, que nome mais esquisito, Domeingas? - Antes sábado ou segunda-feira, já que o seu dedo não se fica por Domingos.
      Quanto ao poema e ao seu roubo, não diga nada. Diga-o, com a sua voz, e fico-lhe grato.

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  8. Gostei de ler. Abraço!
    José Félix

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