31.7.22

Teleologia

Tudo por dizer sempre
Nunca chegaremos ao cerne das medusas
à nervura das pedras
o esforço suga o coração
embranquece a luz impalpável das folhas da parreira
no ardor de Agosto
um gato adormece sobre o peito
a esta hora melancólica - a sombra da catedral
no interior da Terra algo se prepara sempre
surgirá o outro dia e os presságios
são talvez de treva de névoa
de musgo ou salitre
o silêncio canta no ouvido dos bichos
(os bichos ardem nas locas do crime)
nunca chegaremos ao local das brisas
mas é na Terra o único envolvimento
da açucena


27/8/91
(à memória de Ruy Belo)

Levi Condinho

Colheita serôdia -
inéditos e dispersos, Edição Húmus, 2020, Vila Nova de Famalicão

21.7.22

génios

Quantos génios haverá hoje em Portugal

Todos sabemos: legiões
Só no mundo literário por exemplo

Basta abrir o JL
Cada 15 dias 15
autores ou obras geniais

Portugal vai precisar cada vez mais
de importar pessoas
normais.


Arnaldo Saraiva

TÃO CEDO PASSA TUDO QUANTO PASSA!   12 poetas de agora, ilustrações Manuel Cargaleiro coordenação Arnaldo Saraiva, Jornal do Fundão Editora, Junho de 2022:15

6.7.22

Esgotadíssima

A doutora está esgotada,
com burnout, que é mais fino.
Quer mudar para a privada
e dar a volta ao destino.


© Domingos da Mota

2.7.22

Esboço para um retrato

Dedicado à Mara


É tão leve a tua voz,
oh mulher
sustentada a fogo
e olhos esvoaçantes

- é tão leve
a tua voz,
que o próprio ar se suspende
como sombras de lua
na palma encantada das mãos!

in Noite Vertical, 2017
Zetho Cunha Gonçalves

DiVersos, Poesia  e Tradução | n.º 33 outono-inverno de 2021-2022, Edições Sempre-Em-Pé, Águas Santas