29.1.20

SEM TÍTULO

Um lago de luz negra sorveu-te os olhos
Com eles te arrastando e todo o peso do mundo
Cai na mesa onde estás deitado.
Só um vago sorriso ficou de fora
E é só de dentro que nos falas.

O tempo, enfim, deixou-te em paz,
Selou-te o coração com a última rubrica
Mas vem limpar em nós a sua faca.

Manuel Resende

Poesia reunida, Posfácio de Osvaldo M. Silvestre, Edições Cotovia, Lda., Abril, 2018

19.1.20

QUE TRABALHO

Que trabalho exasperado, o da língua,
essa em que dizes com mão insegura
desvios, desacertos, desalinhos.

Eugénio de Andrade

PEQUENO FORMATO, com um retrato de Alfredo Cruz e um desenho do escultor José Rodrigues, em edição fora do mercado, numa tiragem de 250 exemplares destinada aos amigos da Fundação Eugénio de Andrade, Fevereiro de 1997

3.1.20

vita brevis

a vida breve, revele-a
a pulsação que lateja
no efémero da camélia,
ou no lustro da cereja,

é a do coração que dita
a dor que lhe sobejou
e tenta deixá-la escrita
mas não conta o que escapou

pelo espelho, quando a máscara
vai perdendo o frenesim,
e agora tanto lhe faz: para
o caso é mesmo assim,

nem há lixa ou aguarrás
que apague as marcas que traz.

Vasco Graça Moura

uma carta no inverno, Quetzal Editores, Lisboa, 1997