29.10.21

neve interior

22


Foi o vício de colocar
coluna vertebral em tudo
que te mostrou a cifose do mundo.

Afinal, amo-te
não era vocábulo
mas raposa que decifrava
a geometria de um poço.

Nem Einstein
conseguiu calcular a velocidade
que habita a derrocada de Agosto.
Não te admires,
a Física nunca teve sentimentos.

O coração,
catálogo para desabar.


Alberto Pereira


neve interior, Edições Húmus, Vila Nova de Famalicão, 2.ª Edição, 07 de Outubro de 2021

24.10.21

16.10.21

A via estreita

Sob a luz dos holofotes,
e a mexer os cordelinhos
com arreganhos, hissopes,
cenários e rodriguinhos,

segue o santo no andor
(há quem diga de pau oco),
mas o grão-maquinador
não é parvo nem bacoco.

Tece intrigas e enredos,
leva a água ao seu moinho;
e acicata alguns medos
para forçar o caminho,

mesmo sendo a via estreita,
numa guinada à direita.


© Domingos da Mota

5.10.21

Fernando Echevarría (1929-2021)

Abstraído. Mas todo, corpo de si no pulso,
campeia além de si e a si estranho.
A luz, à volta, cumpre só vir do susto
de ver-se, de repente, separado
do outro corpo de jacência, mudo,
e onde ainda reinaria o espaço.
Que aqui tudo é primeiro. Ou tudo último.
Porque o tempo ficou naquele lado
em que se conta o percurso
por pontos sucessivos do seu trânsito.
Agora, somos prumo.
Vultos duríssimos durando,
com todo o corpo fora de nós. No pulso
que descobre outros em sua luz de espanto.


Fernando Echevarría

Sobre os Mortos, Edições Afrontamento, Porto, 1991

2.10.21

FICAR NA SOMBRA

Vens de tão longe
e olhamos por ti
nas ondas da noite

Esperamos desde sempre
são as primeiras
últimas coisas

Ficar na sombra
de mundo a mundo
ou arder em eclipse

O que queiram, enfim, dizer
as palavras aparecer
desaparecer, deslumbrar


José Manuel Teixeira da Silva

MÚSICA DE ANÓNIMO [poesia, 2001- 2009], Companhia das Ilhas, 2015