27.2.23

O CENSO POPULACIONAL DO VIETNAM

Se a guerra do Vietnam continuar
chegaremos a um ponto em que será fácil organizar
nesse país o censo populacional:
não haverá vietnamitas para contar
E os americanos acharão que não faz mal


Ruy Belo


HOMEM DE PALAVRA(S), Publicações Dom Quixote, Porto, Janeiro de 1970

24.2.23

SEIOS

Fechando os olhos, eram rosas
castas e densas, por abrir.
Líquidas pétalas nervosas
sentiam-se, no fundo, estremecer.

Lagoas, nuvens, lá por trás
da superfície cariciada?
- E a minha vida se desfaz
na saudade de fontes afastadas...


David Mourão-Ferreira

LIRA DE BOLSO, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 1969

20.2.23

Alba

Que alegria de Maio
os olhos das crianças
respiram tão vivíssimos
que só eles nos dizem
os imensos segredos
das certezas escondidas...

Que sopro audaz quebrou
o nevoeiro denso
que nos confunde os passos
pelas estradas do mundo
onde a metralha soa
e a solidão é lei...

Que alegria de maio
nos olhos das crianças...


Tropos, 1969

António Salvado

in DiVersos - Poesia e Tradução, n.º 34 | outono 2022:34, Edições Sempre-em-Pé, Águas Santas

18.2.23

língua

Não me perguntes em que tristes
artérias viaja o veneno: as víboras

são, como sabes, bichos aleijados -
nem pés, nem mãos -, resta-lhes a

língua para cumprirem os sonhos.


Maria do Rosário Pedreira

o meu corpo humano
, Quetzal Editores, Junho de 2022:66




11.2.23

Calote metaphísico

A vida é curta
e a salvação difícil
Além de que a salvação pessoal
parece um negócio
dos mais duvidosos...

conviria primeiro saber
se a salvação em si
existe.

E se não existe...
então aquela força
e os sacrifícios todos
só pra no fim levar
o calote mataphísico!...


Zuca Sardan

DiVersos - Poesia e Tradução | n.º 34 outono 2022, Edições Sempre-Em-Pé, Águas Santas

1.2.23

A UNS AMIGOS PARTINDO-SE PARA A AMÉRICA

Estava emocionado como um cavalo
o pingo no nariz o forte flato
queria dizer restos de coisas felizes
se fosse Deus parava o sol sobre Lisboa

soube sempre e dá-se por inteirado
que isto de amigos há que pô-los n'água
são rosas (são raros) são o que sobra
dos Invernos longos das geadas cruas

sem graça despediu-se é um azar
que ele tem; e despediu-se


Fernando Assis Pacheco

A MUSA IRREGULAR, Assírio & Alvim, Novembro 2006:158