9.7.24

LÍRIOS

Um dia deixarei para sempre o casaco no cabide da entrada
outras mãos que não as minhas haverá para o recolher
outros olhos pelos meus lhe hão-de fitar depois a ausência.
Depois, nem isso.
Há um momento em que se estende a toalha sobre a mesa dos mortos
como se tivesse sido sempre a mesa dos vivos. Esse dia virá.
Tudo então estará certo e limpo como o esquecimento.
Ou quase assim.

Dispo agora toda esta roupa e escrevo
- sem frio nem perda nem desastre -
a partir desse dia que virá, esse dia depois de mim:

lírios crescem no acaso vivo da relva
uma leve poeira se acrescenta ao ar que não respiro.

Rosa Maria Martelo

SIRINGE, Averno, Lisboa, Março de 2017

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