Estou farto da poesia
como se renda de bilros:
tricotada bonitinha
a alancear a vidinha
com porosos atavios
e mesuras timoratas
amarrotadas sem viço
cabisbaixa de alpargatas
e de olhos sempre de gatas
entre a dor e o derriço.
Ai do lirismo que arrima
e nem é carne nem peixe
pois um poema sem espinha(s)
virgulado picuinhas
será melhor que se deixe
de mergulhar no mar alto
no abismo dos sentidos
de atravessar o asfalto
de voar de ir a salto
pra mundos desconhecidos.
O poema deve ser
uma pedra no caminho
com as sílabas a arder -
língua de fogo a crescer
e a morder até ao imo.
Mas se a mão o largar
numa toada vazia
desenfreada frenética
há que suster a poética -
e soltar a poesia.
Poetas abaixo a rima
(se ela for a prisão
onde o poema definha).
Estou farto de poesia
que não é libertação.
© Domingos da Mota
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