28.9.19

CONSULTA EXTERNA

O ar pesa demasiado nas folhas
que coroam os troncos decepados
e assim murmuram, invisíveis e frondosas

Às vezes, espreitamos da porta
as raízes resistentes, reerguemos
a altura dos ramos, mas eles furam-nos
os olhos e sacodem os pássaros
contra todos os vidros

Ei-los que volteiam, de peito colorido
agonizando na zona
mais exposta das caldeiras

Há dias em que se ouve um pouco mais
ou por causa da chuva, ou do vento
ou do tempo que de todo nos cai
um comboio que atravesse o rio
sons da maresia, e agora tão só

os ecos surdos no fundo do corredor
e outras tantas coisas
sem um nome que se diga

José Manuel Teixeira da Silva

TUTANO, Revista de Poesia, Teatro e Todas as Artes, nº Zero, Poetria, Porto, Agosto de 2019

21.9.19

SIM, NÃO, TALVEZ

Rimo leve, levemente
como quem rima por mim.
Quero amar perdidamente?
Sim.

Sendo eu pobre a rima é-o
por natural condição.
É de tirar-lhe o chapéu?
Não.

Sem lugar, para onde irei
cumprido o breve entremez?
Pasárgada, onde sou rei?
Talvez.

Vitor Silva Tavares

textinhos, intróitos & etc de Vitor Silva Tavares, [púsias], Pianola editores, 2017

12.9.19

A poesia é a sombra do silêncio

A poesia é a sombra do silêncio.


Carlos Poças Falcão

[Notas Sobre Silêncio] in NERVO/6 colectivo de poesia setembro/dezembro 2019, Editora Maria F. Roldão

9.9.19

é comovente, a tua poesia

é comovente, a tua poesia
chego a ter pena de ti e às vezes medo

ardes-me na mão como uma brasa ao rubro
e eu sinto-a e apetece-me levá-la à boca, queimar-me.

adorava que me visitasses mais vezes
tens um quarto cá em casa, louceiro, agasalho
e pão, ainda fresco, coberto com um pano, na masseira de pinho

aguardarei todos os dias, enquanto pascerei vacas até que venhas
e ordenharei úberes brancos, de leite branco e espumoso, meu poeta.

não te esqueças, às vezes tenho fome, muita fome e o jejum mata-me.

Aurelino Costa

Domingo no Corpo, Ilustrações, Anxo Pastor, Foto do Autor, Raúl da Costa, Deriva Editores, Porto, Janeiro de 2013