galopa a toda a brida:
ah, quem pudesse domá-lo
e refrear-lhe a corrida.
[revisto]
[revisto]
Os vivosnão desistemde viverOs mortos também
Mohammed Al-As'ad
10 de Março, 2022
Nos cordames as gaivotas
escutam o relâmpago que tomba com os cabos da âncora
para o leito do mar.
Trovão sobre o Carmelo.
Seu eco na raiz dos ciprestes.
Na orelha das cavernas.
David Rokeah
Tradução: J. Guinsburg / Zulmira Ribeiro Tavares
ROSA DO MUNDO 2001 POEMAS PARA O FUTURO, Assírio & Alvim, Lisboa, Abril 2001: 1556
Posto o mau gosto
num pedestal,
será que gosta?
Que leva a mal?
Se leva a mal,
se abomina
e afirma tal,
toca o sino
(toque a rebate)
e junta hostes
para o combate?
Ou franze o rosto?
Será que o gosto,
o gosto estético
mal doseado,
tosco, patético,
provoca febre,
clamores, insultos?
Aumenta a verve
de alguns vultos.
© Domingos da Mota
Nem ver o eclipse total
nem esperar o cometa Halley:
O sorriso das mães
é o verdadeiro fenómeno.
Nuno F. Silva
Acorda com uma camélia na garganta, edição Debout Sur l'Oeuf, Figueira da Foz, Fevereiro de 2023:12
Olhas a rosa que existe
quase oculta, junto à seiva
que dela fosse o limite
para que depois receba
os espinhos, um perfume
que se esperava, estas cores
iguais talvez ao vislumbre
de tudo o que em nós se torne
mais antigo, anterior
ao tempo de aparecer
já unida ao nosso corpo
como o perfume do ser.
Fernando Guimarães
Das Mesmas Fontes, Edições Afrontamento, Lda., Porto, Fevereiro de 2023:167
Vós que trabalhais só duas horas
a ver trabalhar a cibernética,
que não deixais o átomo a desoras
na gandaia, pois tendes uma ética;
que do amor sabeis o ponto e a vírgula
e vos engalfinhais livres de medo,
sem peçários, calendários, Pílula,
jaculatórias fora, tarde ou cedo;
computai, computai a nossa falha
sem perfurar demais vossa memória,
que nós fomos pràqui uma gentalha
a fazer passamanes com a história;
que nós fomos (fatal necessidade!)
quadrúmanos da vossa humanidade.
Alexandre O'Neill
DE OMBRO NA OMBREIRA, Publicações Dom Quixote, Setembro de 1969:75
De todos os lados me sobram
pensamentos, assuntos, lapsos
de um minuto, curiosidades
metafísicas, ângulos de visão
aguda, sentinelas. Mas eu
escapo a estas armadilhas:
esborrato os dias em paz, ouço
a pedra do silêncio, rodeio
cada momento. Como se o mundo
se fosse afastando sem remédio,
com a bandeira porosa das palavras
a adejar ao vento.
Isabel Cristina Pires
O Planeta Irreal, Edição Húmus, Vila Nova de Famalicão, 28 de Abril de 2023:99
se deus
ou um seu anjo
passar por aqui
escondamo-nos
nas suas barbas.
Fernando Machado Silva
Passageiros Clandestinos, Companhia das Ilhas, colecção azulcobalto, poesia, azores bookstores, 2012:29
no campo de cultivo lavradoMarço lamacento
pelas botas dos soldados
muddy March
by soldiers' boots
O poema, senhores,
não fede
nem cheira
Ferreira Gullar
Muitos homens solitários caminham
acompanhados por um vazio.
Com frequência detêm-se numa paragem
escura ou iluminada
e o acompanhante observa,
projectada numa parede,
a sua vida de ente desaparecido.
Habitantes transparentes cruzam
as cidades da nossa memória.
Os que transportam o vazio
dialogam com as imagens sucessivas
que o muro lhes devolve.
Levam, atada com uma corda invisível,
uma ausência.
Francisco Javier Irazoki
ANIMAL ABERTO, Antologia Poética 1977-2021, selecção feita pelo autor, tradução de Ana Catarina M. Martins, edição Medula, Abril de 2023
Esta não é a tua guerra
no campo de batalha
não queiras ser herói
Faz-te de morto
fica quieto
Não levantes o pó
para isso
aprende a respirar
Resiste
até que a noite caia
sobre o campo
e o cubra de neve
Então levanta-te
caminha
como um fantasma gelado
Esquece que viveste entre mortos
- Será possível?
Manuel Silva-Terra
Estado Poético, Editora Eufeme, Leça da Palmeira, Fevereiro de 2023
Gräsen i Thule,1958
A Manuel de Castro - Lisboa 1973*
Palasin kottin, 1944
Não me mostres nenhum norte
nem estradas para lá
A. M. Pires