19.8.23

Rondam morcegos

Rondam morcegos
pelos quintais,
tortuosos ademanes
de enlutada alegria.

Um silêncio côncavo
desce de um céu
inacessível
que uma réstia
de luz afunila.

Asfixiam as árvores
sob o coágulo dos frutos,
cuja requintada acidez
os pássaros debicam,
aturdidos de prazer.

Uma vertigem oblíqua
vara as águas paradas
da albufeira.

Nas vinhas,
os globos das uvas
arpoados
pelos insectos,
a gangrena
dos pirilampos,
a podridão da terra
pululante
de vermes
que as garças
degustam.

Um relento dúbio,
aviltante,
enlanguesce e supura.

E a indiferença,
como um véu,
caindo
sobre os vultos
na sombra,
tudo enleando,
tudo perfilando
na aura
aconchegante.

Uma aragem tímida
esmorece e desiste.

Imóvel na trave,
a forca esgarçada,
garrote para tanta
e tão escusada beleza.


João Moita

Que Túmulo em Que Talhão, Guerra e Paz Editores, Lda., Lisboa, 2022:17-19


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