12.5.14

À MANEIRA DOS CONTEMPORÂNEOS

Morreu? Agora é Santo.
Todo o canalha merece pompas fúnebres
Mesmo quando do púlpito das administrações com que lhe presenteava a
Situação
Denegria o opositor.
Receberá agora o féretro a evocação sonora da bondade em virtuosos
versos pesarosos.
(As suas vítimas pagam com cinismo lacrimoso a desmesura da sua verve.)
Morreu? Agora é Santo.
Quanta cebola se gasta nessa desgraça?
Por ser o pior deles Vos dispenso de se fingirem crocodilos, carpideiras
dolorosas, como as que verti ao rir de tanto emplastro versejado que os
vates sonham que o morto leia.
Como se no assento etéreo aonde subiu não fosse só cinza e esperassem o
fantasma que em vida traíram por convicções ou por inveja.
Morreu? Agora é Santo.

José Emílio-Nelson

(com a devida autorização, colhido aqui)

8.5.14

Elegia animal

Tantas vezes procuravas
um afago no teu pêlo,
roçagavas e miavas,
pedias colo e ao vê-lo
para o colo me saltavas
e ronronavas feliz;
outras vezes afiavas
as unhas, como quem diz,
nos dedos e mordiscavas
a ferida e a cicatriz;

muitas vezes vigiavas,
com o teu olhar agudo,
a varanda onde as aves
te provocavam, e tudo
com os seus voos rasantes,
instigantes, sobretudo.

Agora não mias mais,
ou se mias é no céu
dos gatos e dos pardais,
mas deixaste aqui um breu
cerrado cujo negrume
não há lume que ilumine,
por muito que outro gato
apareça e nos fascine.

© Domingos da Mota

(poema dedicado ao nosso gato que hoje entrou no ciclo do carbono)