28.2.24

sátira de John Kaspar a um poeta de mau porte

(sec. XIII)


a flauta do cego
o brilho da bota
o piano de cauda
o ás da batota

um galo a fingir
de crista de prata
e o pombo a grunhir
sem selo na carta

fugi dos poetas
de patas de chumbo
fugi da má rima
um morto é defunto

o Silva das lérias
no bairro galante
é um porco em férias,
um significante
da casta devassa
um pulha tratante
que na greve dos bardos
vestiu de amarelo
e roubou um pedinte
de foice e martelo

de chave encravada
faz soneto frouxo
de sapata rota
é peixe sem lota
é o prego da bota

fugi dos poetas
de patas de chumbo
fugi da má rima
um morto é defunto


António Ferra

lengas e narrativas, Edição Húmus, Vila Nova de Famalicão, Junho de 2022

12.2.24

POEMAS QUOTIDIANOS



81


Onde vamos livres

Onde vamos presos

correr como rios
durar
como pedras

e lançar raízes


António Reis

Poemas Quotidianos, Edições Tinta-da-china, Lda., Lisboa, Julho de 2017

4.2.24

INSULTO AO POEMA

O poema não é lindo
como tantas vezes acham alguns ingénuos
e maus leitores. Pode ser dúvida dor ou disfarce
e tantas outras coisas começadas por d como
devastação desistência despedida ou
por r como raiva rasura ressurreição. Lembro
sempre os versos de Ana Hatherly
E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta.

Inês Lourenço

in Inês Lourenço, As Palavras Beijam Sem Carga Viral, pág. 6,
e Andreia C. Faria, Este Fresco Sanatório para o Sangue,
Editor Câmara Municipal do Porto, Porto, agosto de 2021