28.12.11

BOLETIM METEREOLÓGICO

Céu muito nublado  vento
fraco moderado de sudoeste

soprando forte nas terras
altas  aguaceiros em especial

nas regiões do Norte e Centro
e que serão de neve nos

pontos mais altos da Serra
da Estrela  e no teu coração.

Jorge Sousa Braga

PORTO DE ABRIGO, Assírio & Alvim, Lisboa, Novembro 2005

22.12.11

VEDORES

Sente:

como se a sombra fosse o próprio espaço
ou os musgos não quisessem dizer nada

Prepara um salto
sem gravidade
leve
desmedido para poderes fingir que nem quiseste

Abandona toda a confiança
no limite da luz
como se não houvesse mais que músculos e
intensidades

Fixa os sulcos sem tempo,
uma outra vida
na água que as pedras sempre ocultam!

Janeiro 2008

Dália Dias

MAIS A NORTE / PRUMOS, Edição Fava, Dezembro, 2011

13.12.11

Moscas Volantes

Apesar destes dias carregados
(com as moscas volantes no olhar),
de receitas, conselhos e recados,
dos remédios que estão por aviar,
dos meses cada vez mais pendurados,
com a faca do tempo no pescoço,
e de tantos amigos já passados

para o lado de lá, neste alvoroço
de ameaças, apertos, vilanias
que se espalham nos ares, como se peste,
sem cuidar de que tais malfeitorias
corrompem a razão que as reveste,
apesar do sufoco ser um facto,
bem-vindos sejam os meus sessenta e quatro


© Domingos da Mota

11.12.11

MINIBIOGRAFIA

Não me quero com o tempo nem com a moda
Olho como um deus para tudo de alto
Mas zás! do motor corpo o mau ressalto
Me faz a todo o passo errar a coda.

Porque envelheço, adoeço, esqueço
Quanto a vida é gesto e amor é foda;
Diferente me concebo e só do avesso
O formato mulher se me acomoda.

E se a nave vier do fundo espaço
Cedo raptar-me, assassinar-me, cedo:
Logo me leve, subirei sem medo
À cena do mais árduo e do mais escasso.

Um poema deixo, ao retardador:
Meia palavra a bom entendedor.

Luiza Neto Jorge

A LUME, Texto fixado e anotado por Manuel João Gomes, Assírio & Alvim, Lisboa, Maio de 1989

4.12.11

QUOTIDIANO

Morre todas as noites uma águia
que só de minha vida se alimenta

Que mistura de cânhamo e de carne
no seu rosto de carne me desvenda

Morre todas as noites no momento
em que volta a nascer de madrugada

E para lhe fugir ainda é cedo
E para celebrá-la já é tarde

David Mourão-Ferreira

LIRA DE BOLSO, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 1969

1.12.11

HERZOG

                                                Sofrer é outro mau hábito.
              (palavras de Ramona em Herzog, de Saul Bellow)


A minha desforra são palavras.
Levanto-me de manhã amarrotado
pelo peso inclemente das mentiras
e vazo no real outro real
das letras que ninguém vislumbrará.
O pássaro que canta é uma palavra,
é uma carta escrita a este, àquele,
que me saiu do lápis da amargura;
tudo se refaria se jamais feita fosse
alguma coisa que a minha mão não desse.
Desforro-me sem gosto. Desforro-me sem gasto,
acorrentado ao que me vem de trás
e ao que virá e que não sei se quero.

Pedro Tamen

Analogia e Dedos, Oceanos, Asa Editores, Outubro de 2006