26.12.15

MARTHIYA DE ABDEL HAMID SEGUNDO ALBERTO PIMENTA

26.


Vivemos
Na nossa própria terra
Como
Num campo de refugiados.

Todos perguntam:
Que estou eu a ver?

Ninguém tinha imaginado
Que a vida
Pudesse ser uma chaga
De aspecto incurável.

É provisório,
Dizem-nos,
Pois tencionam
Encaminhar-nos depois
Para outro campo
Que estão a tentar
Estabelecer:
Cercado a toda a volta
Das suas liberdades.

Alberto Pimenta

MARTHIYA DE ABDEL HAMID SEGUNDO ALBERTO PIMENTA, &etc, 2005

24.12.15

[Natal é uma voz circular]

Natal é uma voz circular
calor de um ovo na palha dos ninhos
e música de flautas habitando
a solidão dos caminhos

1979

Luís Veiga Leitão

POESIA COMPLETA, Organização de Luís Adriano Carlos e Paula Monteiro, Apresentação crítica de Luís Adriano Carlos, Edições ASA, Porto, Setembro de 2005

18.12.15

Terceiro soneto de Natal

Dissesse do Natal o muito que
se olha sem se ver, aquando e onde
o outro é transparente, como se
fosse um corpo invisível que se esconde,

alheio à roda-viva de quem estuga
o passo pra atingir o desejado
prazer de abraçar a própria fuga,
desprezando os caídos a seu lado;

dissesse do Natal o que é banido,
varrido pra debaixo do tapete,
o muito que apesar de escondido,
não deixa de pungir, como um ferrete,

como são e serão os sem-abrigo,
com a sopa dos pobres, por presigo.

© Domingos da Mota


7.12.15

AUTO-RETRATO

Poeta   é certo   mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa   mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento   ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos   uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate   disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

José Carlos Ary dos Santos

OBRA POÉTICA, edições Avante! (5.ª edição), Lisboa, Julho de 1994

6.12.15

NADA DIREI

Nada direi do crocodilo.
É um bicho tímido, reservado, a quem a realidade magoa os dentes.

José Alberto Oliveira

ANIMAL ANIMAL um bestiário poético, organização Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, Lisboa, Fevereiro 2005

5.12.15

DEZEMBRO

Tão baixo, possível. familiar,
o luar é apenas sujeira no céu.
Ainda mais abaixo, há grilos, mosquitos,
morcegos, a água barrenta
de um riacho, a doçura
dos frutos rachados pelos vermes
e também a aspereza
em rostos que o tempo tratou
como pedra que nunca foi movida.
Não fui uma ave migradora
e há rios que deixam de fluir
sem encontrar algo maior.

Daniel Francoy

CALENDÁRIO, Artefacto, Lisboa, Agosto de 2015