30.6.14

EDITAL

Foi afixado
nos locais do costume
que É PROIBIDO MENDIGAR.

Logo mão que se descobre
escreveu a tinta por baixo
MAS NÃO É PROIBIDO SER POBRE.

Joaquim Namorado

A POESIA NECESSÁRIA, Cancioneiro, Vértice, Coimbra, 1966

10.6.14

[Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades]

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E, em mim, converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Luís de Camões

Sonetos de Luís de Camões escolhidos por Eugénio de Andrade, Assírio & Alvim, Lisboa, Julho de 2000

4.6.14

Sem nome

Poema para não ler
pois que a cegueira o cobre
com a nudez a valer
e mesmo nu se desdobra
sobre o pulsar de uma sílaba
que se cansa a respirar
e tropeça numa vírgula
à beira de sufocar.
Poema cego que diz
pedra palavra pulmão
e se finca na raiz
que trespassa o coração.
Poema com sede e fome:
poema só: e sem nome.

© Domingos da Mota

Pequeno tratado das sombras, Busílis, Dezembro 2018