29.4.18

Da sua relação com a poesia

Quando  Koslowski, após  um  dos seus  inúmeros  acidentes de
carro, está outra vez  preso  à  chapa, acontece  que  a  primeira
pessoa  a  chegar  ao  local  é  um  bem  conhecido  poeta   lírico
frustrado,  o  qual,  em  vez  de  lhe     administrar    os  primeiros
socorros, insiste  em ler-lhe, rapidamente, alguns dos seus mais
recentes  poemas, garantindo  que não  tomaria  muito tempo do
seu tempo. "O resultado disso", comentou Koslowski mais tarde,
"é que não só o meu  fémur, três costelas  e a minha clavícula se
quebraram, como também  se quebrou   a minha  relação com a
poesia".

Michael Augustin


UM TAL DE KOSLOWSKI, Tradução de João Claudio Arendt e João Luís Barreto Guimarães, edição do lado esquerdo, Coimbra / Fundão, Abril de 2018

28.4.18

BURBURINHOS

14


Não sabe rezar,
estranhamente,
o louva-a-deus.

João Manuel Ribeiro

BURBURINHOS | RUMBLES, Edição Busílis (Tropelias & Companhia - Associação Cultural), Maio de 2015


24.4.18

KOLYMBÍTRIA

O absoluto não é ter muitas coisa juntas,
Mas o quase nada que vibra no fim da tarde,
Quando as pedras se iluminam de dentro,
Com já saudades do sol que vai partir.

Manuel Resende

Poesia reunida, Posfácio de Osvaldo M. Silvestre, Edições Cotovia, Lda., Abril de 2018

23.4.18

SO(U) NETO

SONETO
SOU
      NETO.
SOU
     U
     NETO
DO
SONETO.

Fernando Aguiar


Estratégias do Gosto, Palimage, Terra Ocre - unip. Lda., Coimbra, Março 2012

22.4.18

Abril

De Abril recordo o ano, o mês e o dia
Que demarcaram o antes e o depois:
Se antes muita sombra nos traía,
Logo após a urgência tinha dois
Ou mais caminhos a seguir, trilhando
Por vezes o mais curto, tal a febre
Nos píncaros da pura agitação,

Do natural contágio, onde e quando
A fome de mãos dadas com a sede
Acicatavam a revolução.
De Abril recordo Maio e o seu primeiro
Dia de imensa multidão que sonhava
Ser livre o tempo inteiro e pedia
Trabalho, paz e pão.


© Domingos da Mota


11.4.18

QUEDA NA IMPOTÊNCIA

Lemos napalm e imaginamos napalm.
Como não conseguimos imaginar napalm,
lemos sobre napalm, até conseguirmos
imaginar melhor o que é napalm.
Então protestamos contra o napalm.
          Após o pequeno-almoço, emudecidos,
          vemos fotografias do que o napalm é capaz.
          Mostramo-nos retículas grosseiras 
          e dizemos: Estás a ver, napalm.
          É isto que eles fazem com napalm.
Em breve haverá volumes ilustrados
baratos, com melhores fotografias,
em que mais nitidamente se vê
do que o napalm é capaz.
Roemos as unhas e escrevemos protestos.
         Mas há, ao que lemos, 
         pior que napalm.
         E logo protestamos contra pior.
         Os legítimos protestos que a toda a hora
         nos deixam redigir  dobrar franquear têm impacto.
Impotência, testada em fachadas de borracha.
Impotência que põe discos: canções impotentes.
Sem poder, com guitarra. --
Porém, de malha apertada e tranquilo
o poder lá fora mostra a sua força.

Günter Grass

Às Vezes São Precisas Rimas Destas/Manchmal braucht man solche Reime (1914-2014), Edições Tinta-da-china, Setembro de 2017

5.4.18

Desdobrar a sombra

Desdobrar a sombra
para que da escuridão se faça ainda
o amplo passo da luz
nos nomes que há
por dentro da matéria.

Maria João Cantinho

Olga Revista de poesía galega en Madrid, n.º 4| Decembro 2017