29.12.23

O Tempo

O tempo, como um cavalo,
galopa a toda a brida:
ah, quem pudesse domá-lo
e refrear-lhe a corrida.

© Domingos da Mota

[revisto]

12.12.23

os poemas políticos não mudam o mundo

os poemas políticos não mudam o mundo
dizem os eruditos da palavra
sentados em confortáveis cadeirões
na real academia de letras de lisboa
fazendo horas para o repasto
para ser franco pouco valor dou aos eruditos
não escrevo para o presente
ouso ter a esperança de não ser lido na posteridade
e por outro lado não sei a que se referem
quando falam de poemas políticos

será talvez a noite dos lírios
que os preocupa
refastelados nos doutos cadeirões.


Manuel Maria Aboim

a noite dos lírios, Colecção Obscuro Domínio, Edições Afrontamento

2.12.23

Poderão chamar-lhe tudo

Poderão chamar-lhe tudo,
cata-vento, escorpião,
arrivista, sabe-tudo,
papa-hóstias, beija-mãos,
intriguista, linguarudo,
comentador de salão,
afectuoso, sisudo
de lesta contradição,
ora grave, ora agudo,
inimigo da família,
não!

Tanto apascenta 
o rebanho como tuge, 
sibilino,
ardiloso no amanho,
leva a água ao moinho 
na disputa pelo pasto,
o lugar 
na manjedoura,
como padrinho ou padrasto
dos nados 
em berços de ouro.

© Domingos da Mota

1.12.23

Efeito borboleta

No princípio era o sopro,
uma brisa incipiente
aprazível, sem o escopo
de açodar-se, de repente,

como vento que se agita
e passa de vendaval
numa espiral inaudita
na rota do temporal

a um temível tufão,
um ciclone, um tornado:
ao olho do furacão
que deixa tudo assolado.

O leve bater de asas
de pequenas borboletas
pode arrasar muitas casas
e cidades completas.

© Domingos da Mota