19.10.15

OUTRAS COISAS

Outras coisas   no entanto
o amor e o desamor e também a
morte que nas coisas morre subitamente
o  lugar  onde  vais  de súbito

De súbito faltas-me debaixo dos pés
e noutros lugares   De ti é possível dizer
que te ausentaste para parte incerta
deixando tudo no teu lugar

Está tudo na mesma   Também a mim
tempo não me falta lugar sim
Onde cairás morta, flor da infância?
De súbito faltam-me as palavras

Manuel António Pina

AINDA NÃO É O FIM NEM O PRINCÍPIO DO MUNDO CALMA É APENAS UM POUCO TARDE, a erva daninha, Porto, 1982 (2.ª edição)

10.10.15

O ar

O ar doutoral,
do grave ao agudo,
de quem afinal
examina tudo
e tudo comenta,
apura, analisa,
critica, sustenta,
censura, pesquisa
e tudo, mas tudo
peneira com jeito.

(O ar, sobretudo,
de amigo do peito
quando faz o ninho
atrás da orelha,
esse ar miudinho
que olha de esguelha).

O ar de teólogo,
de sumo expoente
que depois do prólogo
aguça o dente
à vichyssoise
que julga estar quase,
será de portento
ou de cata-vento?


© Domingos da Mota


1.10.15

Corrigenda

Onde se lê passado, deve ler-se presente.
Onde se lê presente, deve ler-se futuro.
Onde se lê futuro, deve ler-se ausente
Devido ao conformismo podre de maduro.

Onde se lê teimosia, deve ler-se desdém.
Onde se lê desdém, deve ler-se altivez.
Onde se lê altivez, deve ler-se também
A moscambilha em prol da avidez.

Onde se lê fumo, deve ler-se fogo.
Onde se lê fogo, deve ler-se tição.
Onde se lê tição, deve ler-se de novo
E apurar porque sim e saber porque não.

Onde se lê isto (e aquilo que arrasta),
Apesar do risco, deve ler-se basta.

© Domingos da Mota