26.2.17

grandessíssimos

grandessíssimos banqueiros,
capacíssimos gestores,
sabidíssimos useiros
e vezeiros com penhores,
mais-valias, traficâncias,
intercâmbios e favores,
criativas manigâncias,
desvios para 
offshores,
enormíssimos negócios
(sob o manto do sigilo),
refinadíssimos ócios
adequados ao estilo
dos seus umbigos gigantes
como trombas de elefantes

© Domingos da Mota


25.2.17

IP 2

Oito óbitos por quilómetro
é muito insecto esborrachado
no pára-brisas.

São muitas vidas.
É muita abelha, muita borboleta,
muito mosquito.

Mas tu não és menos chegado ao finito
e o mais certo é que andes distraído
de que há um vidro

entre ti e o horizonte.

Rui Lage

Estrada Nacional, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, agosto de 2016

20.2.17

AMOR FORTUITO

Seduziu. E levou
naquele rubro olhar
tudo o que neste coube
sem ter sido gozado.

Que súbita presença
de casual encontro
com gestos de silêncio
e quietude de assomo.

E depois? Um tumulto,
nada mais assumido:
o tremor esvaído
que não teve percurso.

António Salvado

Essa Estória, Portugália Editora, Junho de 2008

15.2.17

À espera do grande dia

   Grande vida que tudo dás e tiras
Nem sequer a recordação permanecerá nos nossos ossos
Nem sequer a música do violino de Mendelssohn.


En Espera del Gran Día


   Gran vida que das y todo quitas
ni siquiera el recuerdo quederá en nuestros huesos
ni siquiera la música del violín de Mendelssohn.

Haroldo Alvarado Tenorio

[Tradução de João Rasteiro]

Di Versos, Poesia e tradução, N.º 24, Junho de 2016, Vinte anos: 1996-2016, Edições Sempre-em-Pé

11.2.17

VONTADE

Debruço-me num rio de palavras,
alimento de nada
que se vai esvaindo do meu pulso.
Apenas serve a seres
que não voltam como antes.
É isto ter morrido,
nomear o pinheiro manso
e não ser o que foi, um rosto.
Não te dissolva a pena.
A uns mortos resta o choro;
a outros, o silêncio.
Recorda a tundra
para cima do círculo polar,
sem bétulas nem flores,
recorda essa paisagem
mais nua do que um claustro
e deixa escrito
que espalhem nela as tuas cinzas.

Nuno Dempster

Eufeme, magazine de poesia, n.º 2 (Janeiro/Março 2017) Editor e coordenador: Sérgio Ninguém 

8.2.17

No lugar da pouca farinha

1.

É a mesma navalha.

Aquela que levanta no mar exterminado
Uma ilha
E risca no centro da mão a métrica derrotada
De uma colmeia.

E não é o mel que exulta nas linhas inúteis
Dos dedos:

É o brilho náufrago
Das migalhas do estio
Que nelas coagula
A gotas de sombra mais insubmissa.

Luís Filipe Pereira 

No lugar da pouca farinha, edição Temas Originais, Lda., Coimbra, 2016

7.2.17

TANKA

*

A vizinha
de língua afiada
está grávida --
o cacto dela na janela
em flor

*

The neighbor
with the sharp tongue
is pregnant --
her window cactus
in full bloom

George Swede

um mosquito no meu braço, tradução de Francisco José Craveiro Carvalho, edição de Sérgio Ninguém (Eufeme), Fevereiro de 2017

5.2.17

RONDEL DO ALENTEJO

Em minarete
mate
bate 
leve
verde neve
minuete
de luar.

Meia-Noite
do Segredo
no penedo
duma noite
de luar.

Olhos caros
de Morgada
enfeitada
com preparos
de luar.

Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são as fitas
desafogo
de luar.

Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida 
doentinha
e a ermida
ao luar.

Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em folia
de luar.

Giram pés
giram passos,
girassóis
e os bonnets,
e os braços
destes dois
giram laços
de luar.

O colete
desta Virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.

Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.

                                                          1913

José de Almada Negreiros

Poemas Escolhidos, edição Fernando Cabral Martins, Luís Manuel Gaspar, Mariana Pinto dos Santos, Sara Afonso Ferreira, Assírio & Alvim, Novembro de 2016