27.4.14

morte convencional

dizem que a coisa é assim: a grande sonsa
crepuscular alastra pelas veias,
fogem tacto e olfacto à geringonça
e o gosto, o ouvido, a vista e as ideias.

o cabelo suado, a barba intonsa,
as demais circunstâncias muito feias,
alguma gente em pranto que responsa
num negrume confuso de alcateias.

deitam o olho às jóias, à mobília,
os membros menos tristes da família
e a chuva dá nos vidros grosso açoite.

vai-se em cata da agência à luz das velas
nas páginas abertas, amarelas,
a murmurar: "- não passa desta noite."

Vasco Graça Moura

uma carta no inverno, Quetzal Editores, Lisboa, Março de 1997

25.4.14

MANIFESTAÇÃO

Manifestantes e avarandados entreolham-se.

O olhar trocou-se.
Não se trocou o cheiro.

Alexandre O'Neill

POESIAS COMPLETAS, Assírio & Alvim, Lisboa, Maio 2007