Perfeitamente domesticada,
aparentando todo um rebanho de boas intenções,
atacava pela calada.
Desta vez, foi em pleno palco,
à frente de toda a gente.
Unhas e peles, braços em volta.
O bico dos abutres
a rasgar o dia em dois.
Ninguém gritou,
mas houve sangue.
Não me lembro se fui César,
se fui Bruto.
Golgona Anghel
NADAR NA PISCINA DOS PEQUENOS, Assírio & Alvim, Porto Editora, maio de 2017
31.5.17
26.5.17
Quantos dedos?
Ao passado -- para quê -- não lhe peço contas,
faltam-lhe muitos dedos para as fazer todas.
Jesús Jiménez Domínguez
Quantas mãos e quantos dedos
teria de convocar
para contar os erros
sem máquina de calcular?
E entre os dedos mais ávidos
de saber o número certo
afogueados ou pálidos
com o saldo a descoberto
quanto tempo duraria
a sua tarefa ingrata
agravada dia a dia
pelos erros
à socapa?
© Domingos da Mota
faltam-lhe muitos dedos para as fazer todas.
Jesús Jiménez Domínguez
Quantas mãos e quantos dedos
teria de convocar
para contar os erros
sem máquina de calcular?
E entre os dedos mais ávidos
de saber o número certo
afogueados ou pálidos
com o saldo a descoberto
quanto tempo duraria
a sua tarefa ingrata
agravada dia a dia
pelos erros
à socapa?
© Domingos da Mota
20.5.17
ÚLTIMO OLHAR PARA A ILHA KIRRIN
Viver consiste em ir perdendo coisas:
o leme do ar nos cabelos, os amores,
as lembranças, os remos dos dias felizes.
Ao dizer-lhes adeus com a mão
deixamos no ar a casca da despedida,
vemos passar as bicicletas sem ninguém
a caminho da ferrugem, a arder sem som.
Outros invernos cegaram as lanternas,
apagaram os binóculos e ficamos mais longe.
A cerveja de gengibre bebeu-a o sol do fim do dia
e a empada de carne, tal como a infância
foi comida pelas moscas.
Jesús Jiménez Domínguez
ensinar o eco a falar, tradução de Maria Sousa, edição do lado esquerdo, exemplar 15/100, Coimbra / Fundão, Abril de 2017
o leme do ar nos cabelos, os amores,
as lembranças, os remos dos dias felizes.
Ao dizer-lhes adeus com a mão
deixamos no ar a casca da despedida,
vemos passar as bicicletas sem ninguém
a caminho da ferrugem, a arder sem som.
Outros invernos cegaram as lanternas,
apagaram os binóculos e ficamos mais longe.
A cerveja de gengibre bebeu-a o sol do fim do dia
e a empada de carne, tal como a infância
foi comida pelas moscas.
Jesús Jiménez Domínguez
ensinar o eco a falar, tradução de Maria Sousa, edição do lado esquerdo, exemplar 15/100, Coimbra / Fundão, Abril de 2017
17.5.17
Má para a poesia
A meia idade é terrível para a poesia,
Sobretudo para um surrealista.
Perder a vista é perder palavras.
Que correu mal? Não sabe.
A luz matinal ainda cai nas folhas.
A pessoa que ele era morreu há anos.
Agora, sentado numa poltrona,
Fixa os olhos na parede branca em frente,
Protegendo-os da luminosidade.
*
Bad for verse
Middle age is bad for verse,
Specially for a surrealist.
A loss of vision is a loss of words.
What went wrong? He doesn't know.
The morning light still falls on leaves.
The man he was died years ago.
Now, sitting in an easy-chair,
He stares at the blank wall in front,
Shading the eyes to cut the glare.
Arvind Krishna Mehrotra
antes de o tigre se abrigar, tradução de Francisco José Craveiro de Carvalho, edições Sérgio Ninguém (Eufeme), 2017
Sobretudo para um surrealista.
Perder a vista é perder palavras.
Que correu mal? Não sabe.
A luz matinal ainda cai nas folhas.
A pessoa que ele era morreu há anos.
Agora, sentado numa poltrona,
Fixa os olhos na parede branca em frente,
Protegendo-os da luminosidade.
*
Bad for verse
Middle age is bad for verse,
Specially for a surrealist.
A loss of vision is a loss of words.
What went wrong? He doesn't know.
The morning light still falls on leaves.
The man he was died years ago.
Now, sitting in an easy-chair,
He stares at the blank wall in front,
Shading the eyes to cut the glare.
Arvind Krishna Mehrotra
antes de o tigre se abrigar, tradução de Francisco José Craveiro de Carvalho, edições Sérgio Ninguém (Eufeme), 2017
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