22.11.21

[No meu tempo, ah, dizer no meu]

No meu tempo, ah, dizer no meu
tempo é engraçado, havia pais
que levavam os filhos às putas.
Sei que houve gente que adorou
e outra que ficou traumatizada
para o resto da vida. O meu pai não
me levou a nenhuma coisa dessas,
mas deu-me o primeiro vinho a provar
e ensinou-me a escrever. Eu
depois inventei o resto.


Helder Moura Pereira



A GARGANTA INFLAMADA
antologia de poemas publicados na Companhia das Ilhas - 2012-2018

selecção, organização e nota prévia de José Manuel Teixeira da Silva, 
Maio de 2019

13.11.21

Retrato quase apagado em que se pode ver perfeitamente nada

V


Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.

Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vagalumes.


Manoel de Barros


Compêndio para Uso dos Pássaros, Poesia Reunida 1937-2004, Quasi Edições, Junho de 2007

9.11.21

PALAVRAS NUNCA


Sim, posso escrever trigo,
e trémulo, e de oiro,
porém nunca uma espiga
brotará do meu verso
como brota de um sulco.
E escrever pintassilgo
e trino, porém nunca
soará nos meus versos
nenhum canto.
Nunca as nossas palavras
cativarão as coisas.
Acercar-se-ão delas,
andarão em seu torno
como uma brisa débil...
e voltarão vazias.
Com um perfume acaso,
com um eco, com uma
memória desbotada...;
porém as coisas sempre
ficarão no seu mundo
e as palavras nunca
serão mais que palavras.

27-II-1974

Miguel D'Ors





O Fiasco Perfeito, Apresentação, selecção e tradução de Luís Pedroso, Língua Morta / Poesia Incompleta, Maio de 2021

3.11.21

Epigrama

Se só de os veres
chegando satura,
imagina teres

de aguentar
de novo a tortura
da falta de ar.


© Domingos da Mota