28.7.12

[Assim será. Ninguém]

Assim será. Ninguém
virá depois
recolher os ecos, acordar
os sons da flauta
estrangulada. As portas
estarão fechadas mesmo
para o silêncio.

Albano Martins

Di Versos - Poesia e Tradução / n.º 17 - julho de 2012 [de miniantologia realizada por José Carlos Marques com base em As Escarpas dos Dias. Poesia 1950-2010 (Porto, Edições Afrontamento, Maio de 2010), in Cadernos de Argolas, 2000-2010]

22.7.12

SONETO DA CURVA DO TEMPO

                         - Ao Domingos da Mota


eu tenho rios tristes na memória
e venho cego de outra antiguidade
não sei amigo se ontem tive história
dentro do bojo da minha cidade


dormi na rua junto co'a escória
e deixei meu eu todo só na saudade
"Era uma vez a a Rainha Vitória..."
num copo sujo bebi tempestade


se me vem o verso todo iluminado
é porque tropecei num clarão qualquer
da lua cheia já fui namorado


mas hoje me passo para o que bem me houver
só sou passado deste meu passado
que me venha o hoje como deus quiser


Júlio Saraiva


Com os meus agradecimentos, e a devida autorização do Poeta, colhido no seu Mural do Facebook.
Mais poemas do autor, no blogue Currupião.

21.7.12

ARANHAS

Retomam nesta casa o solitário
trabalho de mil séculos

Ei-las de novo aqui   No seu mistério
cresce o frio silêncio
das vozes de outro tempo   Aprisionam
na surdina da noite essa memória
de outros aniversários
em corpos como o teu   Se reparares
serás apenas isso
insecto tão incerto como um espectro
um dia vivo mas outrora agora
envolto num sudário
perdido no seu canto   Desde sempre
as aranhas
tecem o seu império
esquecido labirinto onde procuram
o centro do universo

Fernando Pinto do Amaral

PALIATIVOS, Língua Morta, Maio de 2012

18.7.12

CONDIÇÃO

Nada é abençoado. Permanecemos
sobre a terra sem ter para onde ir,
mesmo quando julgamos ser o excêntrico
centro cego do mundo. Encurralados,
olhando em volta, ficam desertos os olhos,
e nada nos pertence. Este é o tempo
medido com o sangue e o seu pulsar finito.

Nuno Dempster

ELEGIAS DE CRONOS, Edições Artefacto, Lisboa, Junho de 2012

2.7.12

CORVO

Poderás ralhar nevermore
nos umbrais da poesia
cobiçar a capoeira
ao galo a cantar pelo menos
desde as cantigas de amigo:
de ti os vindouros sem penas
farão arroz de cabidela
ou quem sabe torpe gralha,
de corvo corruptela.

De ruínas farás sempre
uma torre habitada,
viela, balcão, taberna assombrada,
inútil protesto
de utilíssimo nada.

Rui Lage

Corvo, Quasi Edições, Outubro de 2008