23.9.13

António Ramos Rosa (1924-2013)

[Em qualquer parte um homem]


Em qualquer parte um homem
discretamente morre.

Ergueu uma flor.
Levantou uma cidade.

Enquanto o sol perdura
ou uma nuvem passa
surge uma nova imagem.

Em qualquer parte um homem
abre o seu punho e ri.

António Ramos Rosa

O GRITO CLARO, (selecção de poemas) [Primeira Parte], Colecção «A Palavra», n.º 1, Faro, 1958

13.9.13

UMA LARANJA PARA ALBERTO CAEIRO

Venho simplesmente dizer
que uma laranja é uma laranja
e comove saber que não é ave

se o fosse não seriam ambas
uma só coisa volátil e doce
de que a ave é o impulso de partir
e a laranja o instinto de ficar.

Não sei de nada mais eterno
do que haver sempre uma só coisa
e ela ser muitas e diferentes
e cada coisa ternamente ocupar
só o espaço que pode rodeada
pelo espaço que a pode rodear.

Sei que depois de laranja
a laranja poderá ser até 
mesmo laranja se necessária
mas cada vez que o for
sê-lo-á rigorosamente
como se de laranja fosse
a exacta fome inadiável.

De ser laranja gomo a gomo
o íntimo pomo se enternece
e não cabe em si de amor
embriagada de saber
que a sua morte nos será doce.

Natália Correia


O VINHO E A LIRA, Edição de Fernando Ribeiro de Mello, Lisboa

4.9.13

"Aquisição fabulosa"

     Para João Cabral de Melo Neto


Lapidar o poema.
Lançá-lo limpo à língua,
Sem o peso do vácuo.
Palavra por palavra,

Sem prematura pressa.
Palavra por palavra,
Sem proezas supérfluas.
Palavra por palavra,

Sem pretensões precárias.
Para depois de pronto,
Aos deuses, devolvê-lo,
Sem o peso do véu.

Adriano Nunes

(Publicado com a autorização do poeta. Mais poemas do autor, entre outros sítios, em Que Faço Como Que Não Faço).