dizem que a coisa é assim: a grande sonsa
crepuscular alastra pelas veias,
fogem tacto e olfacto à geringonça
e o gosto, o ouvido, a vista e as ideias.
o cabelo suado, a barba intonsa,
as demais circunstâncias muito feias,
alguma gente em pranto que responsa
num negrume confuso de alcateias.
deitam o olho às jóias, à mobília,
os membros menos tristes da família
e a chuva dá nos vidros grosso açoite.
vai-se em cata da agência à luz das velas
nas páginas abertas, amarelas,
a murmurar: "- não passa desta noite."
Vasco Graça Moura
uma carta no inverno, Quetzal Editores, Lisboa, Março de 1997