22.4.19

GANHOS - PERDAS

Ganhar é quase sempre
um verbo obsceno. Porque para um vencedor
há sempre outro que perde a quem chamam
vencido. E assim a sábia Natureza
e as coisas que a habitam
estão provavelmente enganadas. Porque
uns se derrotam aos outros sendo
que alguns muito ganham e outros
muito perdem. Mas
os perdedores são sempre o sal da Terra.

Inês Lourenço

O Jogo das Comparações, Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, Outubro de 2016

19.4.19

PEREGRINAÇÃO

Quando olhada de face, era um abril.
Quando olhada de lado, era um agosto.
Duas mulheres numa: tinha o rosto
Gordo de frente, magro de perfil.

Fazia as sobrancelhas como um til;
A boca, como um o (quase). Isto posto,
Não vou dizer o quanto a amei. Nem gosto
De me lembrar, que são tristezas mil.

Eis senão quando um dia... Mas, caluda!
Não me vai bem fazer uma canção
Desesperada, como fez Neruda.

Amor total e falho... Puro e impuro...
Amor de velho adolescente... E tão
Sabendo a cinza e a pêssego maduro...

Manuel Bandeira

Estrela da Vida Inteira (poesias reunidas e poemas traduzidos), 19.ª edição ilustrada, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1991

3.4.19

PÁRA-QUEDAS

Liberta-te de tudo      Já não tens
pára-quedas
e és de súbito livre     Não tens nada
a ganhar   a perder        Deixa-te só
cair

Fernando Pinto do Amaral

O Terceiro Vértice, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Março de 2019

1.4.19

AO RELER POEMAS DA ANTOLOGIA GREGA

Em tempo de deuses menores
(e deve-se desconfiar dos maiores)
o escárnio não é apenas virtude,
é dever de qualquer cidadão.

José Alberto Oliveira

DE PASSAGEM, Assírio & Alvim, Março de 2018