o ódio sopra uma bolha de desespero
na vastidão do sistema do mundo do universo e explode
e. e. cummings
Falo
agora dos tempos cegos,
surdos, das vinganças
cruéis, dos ódios
roucos, do terror
a bramir, do absurdo
encharcado de fé
até aos ossos. Das torres,
do poder, de tanto orgulho
a ruir das alturas,
bruscamente
(do riso amarelo dos abutres)
e da fúria das águias
e dos ventos.
© Domingos da Mota
Bolsa de Valores e Outros Poemas, Temas Originais, Lda., Coimbra, 2010
A espessura do tempo
«Tudo é semente.» Novalis
11.9.25
24.8.25
WhatsApps
Mas que grande convívio, agarrados
aos Smarts, iPhones, TikToks,
e tantas, quase todos tatuados
nos mais estranhos sítios, e a reboque
de oblíquas mensagens que destilam
o ódio contra quem não siga os bandos,
as bandas, os clubes, nem desfilam
na cauda de rebanhos ou quejandos;
se no meio dum grupo, em família,
numa roda de amigos, WhatsApps
são o alfa e o ómega, razão
de muita desconversa e de quezília,
nem o toque dos sinos a rebate
sustará a constante obsessão.
aos Smarts, iPhones, TikToks,
e tantas, quase todos tatuados
nos mais estranhos sítios, e a reboque
de oblíquas mensagens que destilam
o ódio contra quem não siga os bandos,
as bandas, os clubes, nem desfilam
na cauda de rebanhos ou quejandos;
se no meio dum grupo, em família,
numa roda de amigos, WhatsApps
são o alfa e o ómega, razão
de muita desconversa e de quezília,
nem o toque dos sinos a rebate
sustará a constante obsessão.
Domingos da Mota
3.8.25
IN MEMORIAM
à minha Mãe
Desaba o sol, o silêncio,
a dor no coração da terra
comovida; na levada
do tempo, no rigor da noite,
para sempre, desmedida.
Desaba a luz, o sentido — a vida.
Domingos da Mota
Agosto de 2003
Pequeno tratado das sombras, edição Busílis, 2018
Desaba o sol, o silêncio,
a dor no coração da terra
comovida; na levada
do tempo, no rigor da noite,
para sempre, desmedida.
Desaba a luz, o sentido — a vida.
Domingos da Mota
Agosto de 2003
Pequeno tratado das sombras, edição Busílis, 2018
2.8.25
Só quando os incêndios
Só quando os incêndios
forem naturais:
relâmpagos, raios,
rajadas de vento
que os acendam
e soprem e alastrem
(sem mãos escondidas,
fogachos e fósforos);
e as trovoadas,
súbitas e secas,
que sejam culpadas,
forem descobertas;
e nem a montante
do fogo que arde
sequer a jusante
soprar com alarde
o rol de granjeios,
de ganhos, proventos,
promessas, enleios,
desculpas, lamentos;
só quando os incêndios
depois do sol-posto
não derem estipêndios,
nem mesmo em Agosto.
© Domingos da Mota
forem naturais:
relâmpagos, raios,
rajadas de vento
que os acendam
e soprem e alastrem
(sem mãos escondidas,
fogachos e fósforos);
e as trovoadas,
súbitas e secas,
que sejam culpadas,
forem descobertas;
e nem a montante
do fogo que arde
sequer a jusante
soprar com alarde
o rol de granjeios,
de ganhos, proventos,
promessas, enleios,
desculpas, lamentos;
só quando os incêndios
depois do sol-posto
não derem estipêndios,
nem mesmo em Agosto.
© Domingos da Mota
20.7.25
Os outros
Como falar dos outros sem falar de nós,
nós que somos os outros para outros
e como eles tantas vezes só
em busca de um lugar que nos acoite?
© Domingos da Mota
nós que somos os outros para outros
e como eles tantas vezes só
em busca de um lugar que nos acoite?
© Domingos da Mota
11.7.25
MORTE
Sabemos que de todas as sementes
é a mais pesada. Havemos de esperar
por ela. Acolhemo-la e nada
podia ser tão nosso. Compreendemos
que no seu interior talvez exista
a última seiva, o rumor de outra
germinação para que fique
junto dela. Descai silenciosa
e devagar. A terra é o nosso corpo.
Fernando Guimarães
(Sete poemas, Revista de Poesia relâmpago N.º 29/30, Outubro de 2011-Abril de 2012, Ano XV)
é a mais pesada. Havemos de esperar
por ela. Acolhemo-la e nada
podia ser tão nosso. Compreendemos
que no seu interior talvez exista
a última seiva, o rumor de outra
germinação para que fique
junto dela. Descai silenciosa
e devagar. A terra é o nosso corpo.
Fernando Guimarães
(Sete poemas, Revista de Poesia relâmpago N.º 29/30, Outubro de 2011-Abril de 2012, Ano XV)
5.7.25
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA
O que é um nome?, um rosto
levantado com o lume dos dias?,
este lume que arde, arrefece,
nos consome, nos devora os ossos
taciturnos? O que é um nome
cinzelado a fogo?, esculpido
num rio de águas vivas?,
da pulsão das águas ao tumulto
das veias dilatadas, abrasivas?
levantado com o lume dos dias?,
este lume que arde, arrefece,
nos consome, nos devora os ossos
taciturnos? O que é um nome
cinzelado a fogo?, esculpido
num rio de águas vivas?,
da pulsão das águas ao tumulto
das veias dilatadas, abrasivas?
Domingos da Mota
Bolsa de Valores e Outros Poemas, Temas Originais, Lda., Coimbra, 2010
Bolsa de Valores e Outros Poemas, Temas Originais, Lda., Coimbra, 2010
2.7.25
O VELHO ABUTRE
O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas
Sophia de Mello Breyner
Grades, publicações Dom Quixote, Novembro de 1970
Grades, publicações Dom Quixote, Novembro de 1970
21.6.25
Ofício
Ofício de verão -
a sede abrasa o canto
insurrecto das cigarras
a sede abrasa o canto
insurrecto das cigarras
Domingos da Mota
Pequeno tratado das sombras, edição Busílis, 2018
10.6.25
Correm turvas as águas deste rio
Correm turvas as águas deste rio
Que as do céu e as do monte as enturbaram;
Os campos florescidos se secaram;
Intratável se fez o vale, e frio.
Passou o verão, passou o ardente estio;
Umas cousas por outra se trocaram;
Os fementidos Fados já deixaram
Do mundo o regimento, ou desvario.
Tem o tempo sua ordem já sabida;
O mundo, não; mas anda tão confuso,
Que parece que dele Deus se esquece.
Casos, opiniões, natura e uso
Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece.
Luís de Camões
Sonetos de Luís de Camões escolhidos por Eugénio de Andrade, Assírio & Alvim, Julho 2000
Que as do céu e as do monte as enturbaram;
Os campos florescidos se secaram;
Intratável se fez o vale, e frio.
Passou o verão, passou o ardente estio;
Umas cousas por outra se trocaram;
Os fementidos Fados já deixaram
Do mundo o regimento, ou desvario.
Tem o tempo sua ordem já sabida;
O mundo, não; mas anda tão confuso,
Que parece que dele Deus se esquece.
Casos, opiniões, natura e uso
Fazem que nos pareça desta vida
Que não há nela mais que o que parece.
Luís de Camões
Sonetos de Luís de Camões escolhidos por Eugénio de Andrade, Assírio & Alvim, Julho 2000
7.6.25
A LONGO PRAZO
Valente na medida da sua maldade,
a gota arrisca-se
a perfurar a montanha
nos próximos cem mil anos.
José Emilio Pacheco
A Árvore Tocada pelo Raio, Antologia Poética, Tradução de Miguel Filipe Mochila, Maldoror, 2024
1.5.25
Primeiro de Maio
Tanta bandeira
vermelha
Teresa Horta
Tanta bandeira
vermelha
tanto sol
quanta alegria
tanta gente
nova e velha
ombro a ombro
de mãos dadas
rua afora
neste dia.
Fosse agora
como outrora
maré alta
um mar de gente:
tanta bandeira
vermelha
a drapejar
livremente.
© Domingos da Mota
vermelha
Teresa Horta
Tanta bandeira
vermelha
tanto sol
quanta alegria
tanta gente
nova e velha
ombro a ombro
de mãos dadas
rua afora
neste dia.
Fosse agora
como outrora
maré alta
um mar de gente:
tanta bandeira
vermelha
a drapejar
livremente.
© Domingos da Mota
25.4.25
ABRIL - OPUS 25
O dia preservado na memória,
o dia inicial inteiro e limpo,
matriz da liberdade onde a história
radica a liberdade que ora sinto,
Domingos da Mota
o dia inicial inteiro e limpo,
matriz da liberdade onde a história
radica a liberdade que ora sinto,
está de braços abertos ao futuro
(por muito que o presente seja turvo
e torvo,
vendo quem o ameaça).
A liberdade livre continua
a encher as praças e as ruas
contra o ódio e o medo —
sem mordaças.
(por muito que o presente seja turvo
e torvo,
vendo quem o ameaça).
A liberdade livre continua
a encher as praças e as ruas
contra o ódio e o medo —
sem mordaças.
Fevereiro de 2024 (inédito)
(verso de Sophia de Mello Breyner Andresen, em itálico)
Domingos da Mota
SEMPRE - poemas para assinalar os cinquenta anos do 25 de Abril, edição da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, Edições Afrontamento, Lda., Abril de dois mil e vinte e quatro.
21.4.25
[De silêncio farei]
De silêncio farei
um cobertor para os dias
mais frios da saudade.
© Domingos da Mota
18.4.25
62 teatro da guerra
no teatro
da guerra
cada dia
trabalha
nova companhia.
mas permanece
o encenador
e a peça
é sempre
do mesmo autor.
o actor esse fenece
esse fenece com a cena
com a cena
e desaparece.
é um teatro
realista
que a toda a hora
muda de artista.
mas de hora a hora deus melhora
Alberto Pimenta
Alberto Pimenta
O LABIRINTODONTE, 7 nós, 2012
13.4.25
STABAT MATER (PERGOLESI)
Pranto que afoga
o coração da mulher
que canta
até ao soar
da última nota.
João Pedro Mésseder
Estação dos Líquidos, Elefante Editores, Setembro de 2021
24.3.25
[Não toques nos objectos imediatos]
Não toques nos objectos imediatos.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chávena,
são loucos todos os objectos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.
A harmonia queima.
Por mais leve que seja um bule ou uma chávena,
são loucos todos os objectos.
Uma jarra com um crisântemo transparente
tem um tremor oculto.
É terrível no escuro.
Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer.
A boca fica em chaga.
Herberto Helder
ÚLTIMA CIÊNCIA, Assírio & Alvim, Cooperativa Editora e Livreira, CRL, Lisboa, Novembro de 1988
ÚLTIMA CIÊNCIA, Assírio & Alvim, Cooperativa Editora e Livreira, CRL, Lisboa, Novembro de 1988
21.3.25
11.3.25
Variações sobre a lama
Fétida a lama
que nem barrela
limpa quem ama
deitar-se nela
assim opaca
barrenta escura
que só cloaca
será tão turva
© Domingos da Mota
14.2.25
SUBLEVAÇÃO
Sublevas a luz:
macia de veludo
tua pele desprende
aromas subtis
e o fulgor alucina
leve desenvolto
num sorriso de sol
e sal quase feliz:
odores que latejam
sensuais translúcidos
apascentam promessas
(meneias os quadris)
e brilham as retinas
que o rubor seduz:
sublevas o lume
a túmida raiz
Domingos da Mota
Bolsa de Valores e Outros Poemas, Temas Originais, Lda., Coimbra, 2010
macia de veludo
tua pele desprende
aromas subtis
e o fulgor alucina
leve desenvolto
num sorriso de sol
e sal quase feliz:
odores que latejam
sensuais translúcidos
apascentam promessas
(meneias os quadris)
e brilham as retinas
que o rubor seduz:
sublevas o lume
a túmida raiz
Domingos da Mota
Bolsa de Valores e Outros Poemas, Temas Originais, Lda., Coimbra, 2010
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