Duas moedas na mão
e um dicionário grego
Francisco Ruiz Udiel
Equipagem para descer ao Inferno, colhido em Notícias do Bloqueio
29.6.15
10.6.15
[Eu cantei já, e agora vou chorando]
Eu cantei já, e agora vou chorando
O tempo que cantei tão confiado;
Parece que no canto já passado
Se estavam minhas lágrimas criando.
Cantei; mas se me alguém pergunta quando,
Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado,
Que o passado, por ledo, estou julgando.
Fizeram-me cantar, manhosamente,
Contentamentos não, mas confianças;
Cantava, mas já era ao som dos ferros.
De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
Onde a Fortuna injusta é mais que os erros?
Luís de Camões
Sonetos de Luís de Camões escolhidos por Eugénio de Andrade, Assírio & Alvim, Lisboa, Julho 2000
O tempo que cantei tão confiado;
Parece que no canto já passado
Se estavam minhas lágrimas criando.
Cantei; mas se me alguém pergunta quando,
Não sei; que também fui nisso enganado.
É tão triste este meu presente estado,
Que o passado, por ledo, estou julgando.
Fizeram-me cantar, manhosamente,
Contentamentos não, mas confianças;
Cantava, mas já era ao som dos ferros.
De quem me queixarei, que tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças
Onde a Fortuna injusta é mais que os erros?
Luís de Camões
Sonetos de Luís de Camões escolhidos por Eugénio de Andrade, Assírio & Alvim, Lisboa, Julho 2000
9.6.15
HERÓICAS
VIII
(Sim, no século XX ainda se saqueiam
cidades. E nos séculos XXI, e XXII
e XXIII...)
Depois do saque
violaram a rapariga da sombra nua!
Ah! tenho vergonha do sol e da lua.
Vergonha das flores de sangue a chorar
(porque nem todo o orvalho cai do Ar).
Vergonha da sombra a seguir-me no chão
de rastos, como um bicho de solidão...
Vergonha das nuvens, das pedras que piso,
dos olhos das crianças a voarem de riso,
dos soluços das mães
(o pão que elas comem)
e dos uivos dos cães
na noite medonha
do fuzilamento
à luz dos archotes
-- com a sombra a tremer
no muro do vento.
(Mas o pior é que o Homem
tanto sujou a morte
que até tenho vergonha
de morrer.)
José Gomes Ferreira
POESIA - I, Portugália Editora, Lisboa, Outubro de 1969
(Sim, no século XX ainda se saqueiam
cidades. E nos séculos XXI, e XXII
e XXIII...)
Depois do saque
violaram a rapariga da sombra nua!
Ah! tenho vergonha do sol e da lua.
Vergonha das flores de sangue a chorar
(porque nem todo o orvalho cai do Ar).
Vergonha da sombra a seguir-me no chão
de rastos, como um bicho de solidão...
Vergonha das nuvens, das pedras que piso,
dos olhos das crianças a voarem de riso,
dos soluços das mães
(o pão que elas comem)
e dos uivos dos cães
na noite medonha
do fuzilamento
à luz dos archotes
-- com a sombra a tremer
no muro do vento.
(Mas o pior é que o Homem
tanto sujou a morte
que até tenho vergonha
de morrer.)
José Gomes Ferreira
POESIA - I, Portugália Editora, Lisboa, Outubro de 1969
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