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Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Lisboa, Fevereiro de 1914
Mário de Sá-Carneiro
INDÍCIOS DE OIRO, Guimarães Editores, Lisboa, Novembro de 2009
28.6.16
24.6.16
Janelas altas
Quando vejo um casal de miúdos
E percebo que ele a anda a foder e ela
Usa um diagrama ou toma a pílula
Sei que isto é o paraíso
Com que os velhos sonharam toda a vida --
Compromissos e gestos postos de lado
Que nem uma debulhadora fora de moda,
E toda a gente a descer pelo escorrega,
Interminavelmente, para a felicidade. Será
Que alguém olhou para mim, há quarenta anos,
E pensou: Isso é que vai ser boa vida;
Nada de Deus, ou de suores nocturnos,
Ou medo do inferno, ou ter de esconder
Do padre aquilo em que se pensa. Ele
E a malta dele, c'um raio, hão-de ir todos pelo escorrega
Abaixo, livres que nem pássaros? E de imediato,
Em vez de palavras, vêm-me à ideia janelas altas:
O vidro que acolhe o sol, e mais além
O ar azul e profundo, que não revela
Nada e está em lado nenhum e não tem fim.
Philip Larkin
Janelas altas, tradução e introdução de Rui Carvalho Homem, Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2004
E percebo que ele a anda a foder e ela
Usa um diagrama ou toma a pílula
Sei que isto é o paraíso
Com que os velhos sonharam toda a vida --
Compromissos e gestos postos de lado
Que nem uma debulhadora fora de moda,
E toda a gente a descer pelo escorrega,
Interminavelmente, para a felicidade. Será
Que alguém olhou para mim, há quarenta anos,
E pensou: Isso é que vai ser boa vida;
Nada de Deus, ou de suores nocturnos,
Ou medo do inferno, ou ter de esconder
Do padre aquilo em que se pensa. Ele
E a malta dele, c'um raio, hão-de ir todos pelo escorrega
Abaixo, livres que nem pássaros? E de imediato,
Em vez de palavras, vêm-me à ideia janelas altas:
O vidro que acolhe o sol, e mais além
O ar azul e profundo, que não revela
Nada e está em lado nenhum e não tem fim.
Philip Larkin
Janelas altas, tradução e introdução de Rui Carvalho Homem, Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 2004
19.6.16
Nas cidades do sul
Nas cidades do sul
há violência e há excesso,
de semente.
Estalam os rios e foge a água.
O corpo, encortiçado, racha.
Lendas vêm de há séculos assoreando
as margens.
E quando à boca de um poço vamos
provar o nosso eco,
águas puras irrompem,
noutra língua.
Luiza Neto Jorge
A LUME, Assírio & Alvim, Maio de 1989
há violência e há excesso,
de semente.
Estalam os rios e foge a água.
O corpo, encortiçado, racha.
Lendas vêm de há séculos assoreando
as margens.
E quando à boca de um poço vamos
provar o nosso eco,
águas puras irrompem,
noutra língua.
Luiza Neto Jorge
A LUME, Assírio & Alvim, Maio de 1989
16.6.16
HAI-KAI
Nós temos cinco sentidos:
são dois pares e meio d'asas.
-- Como quereis o equilíbrio?
David Mourão-Ferreira
LIRA DE BOLSO, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 1969
são dois pares e meio d'asas.
-- Como quereis o equilíbrio?
David Mourão-Ferreira
LIRA DE BOLSO, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 1969
15.6.16
[Vozes que a noite arrasta]
Vozes que a noite arrasta
inapreensíveis passagens
para o que é alto
puro e delicado
determinando-te
a partir de outra obscuridade
Luís Falcão
Bruma Luminosíssima, Artefacto, Maio de 2016
inapreensíveis passagens
para o que é alto
puro e delicado
determinando-te
a partir de outra obscuridade
Luís Falcão
Bruma Luminosíssima, Artefacto, Maio de 2016
13.6.16
Qualquer música
Qualquer música, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!
Qualquer música -- guitarra,
Viola, harmónio, realejo...
Um canto que se desgarra...
Um sonho em que nada vejo...
Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida...
Que eu não sinta o coração!
Fernando Pessoa
POEMAS DE FERNANDO PESSOA, Selecção, prefácio e posfácio de Eduardo Lourenço, VISÃO JL, Lisboa, Fevereiro de 2006
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!
Qualquer música -- guitarra,
Viola, harmónio, realejo...
Um canto que se desgarra...
Um sonho em que nada vejo...
Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida...
Que eu não sinta o coração!
Fernando Pessoa
POEMAS DE FERNANDO PESSOA, Selecção, prefácio e posfácio de Eduardo Lourenço, VISÃO JL, Lisboa, Fevereiro de 2006
11.6.16
PALATINO
3.
Toda a maldição vomita a luz
pelos dedos -- o desejo das trevas
chamando à morte a única oração.
João Rasteiro
A DIVINA PESTILÊNCIA, Assírio & Alvim, Lisboa, Março 2011
Toda a maldição vomita a luz
pelos dedos -- o desejo das trevas
chamando à morte a única oração.
João Rasteiro
A DIVINA PESTILÊNCIA, Assírio & Alvim, Lisboa, Março 2011
10.6.16
CAMÕES E A TENÇA
Irás ao paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce
Em tua perdição se conjuraram
Calúnia desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou mais ser que a outra gente
E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto
Irás ao paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência
Este país te mata lentamente
Sophia de Mello Breyner
GRADES, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 1970
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce
Em tua perdição se conjuraram
Calúnia desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou mais ser que a outra gente
E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto
Irás ao paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência
Este país te mata lentamente
Sophia de Mello Breyner
GRADES, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 1970
8.6.16
DENÚNCIA DE CONTRATO
foi tudo tão depressa.
nem tempo tive para lavrar as mãos
e assinar, de cruz, um empréstimo de pão.
fiquei sem dias para trocar com a morte.
Emanuel Jorge Botelho
Telhados de Vidro N.º 20 . Setembro . 2015
nem tempo tive para lavrar as mãos
e assinar, de cruz, um empréstimo de pão.
fiquei sem dias para trocar com a morte.
Emanuel Jorge Botelho
Telhados de Vidro N.º 20 . Setembro . 2015
5.6.16
PRELÚDIO
Partem os altos choupos,
mas deixam o seu reflexo.
Partem os altos choupos,
deixando apenas o vento.
O vento na sua mortalha
jaz debaixo do céu.
Mas não levou os seus ecos,
que flutuam sobre os rios.
O mundo dos pirilampos
invadiu minha lembrança.
E um coração pequeno
vai-me brotando nos dedos.
Federico Garcia Lorca
TRINTA E SEIS POEMAS E UMA ALELUIA ERÓTICA, Tradução de Eugénio de Andrade, Editorial Inova Limitada, Porto, Janeiro de 1970
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