O amor é como o fogo, não se propaga
onde o ar escasseia. Mas não te preocupes,
eu fecho mais a porta.
Gestos e paveias, acendalhas, o isqueiro
funciona! Poderoso combustível
é o corpo. Acende deste lado.
Ainda não é tarde. Foi agora anunciado
pela rádio, são dezoito e vinte e cinco.
Respira-nos, repara, a ilusão
de que a vida não se esgota, como os saldos
de verão. E a morte, à medida que te despes,
vai perdendo o nosso número de telefone.
José Miguel Silva
ULISSES JÁ NÃO MORA AQUI, & etc, Lisboa, Março de 2002
25.6.19
22.6.19
O começo de tudo
No primeiro dia, descansou.
No segundo dia, descansou.
No terceiro dia, descansou.
No quarto dia, descansou.
No quinto dia, descansou.
No sexto dia, descansou.
No sétimo dia,
entregou-se inteiramente
ao passar do tempo
o passar do tempo
passar do tempo
do tempo
tempo
Fabrício Marques
DiVersos - Poesia e Tradução / n .º 28 - fevereiro de 2019 (pp: 34, 35)
No segundo dia, descansou.
No terceiro dia, descansou.
No quarto dia, descansou.
No quinto dia, descansou.
No sexto dia, descansou.
No sétimo dia,
entregou-se inteiramente
ao passar do tempo
o passar do tempo
passar do tempo
do tempo
tempo
Fabrício Marques
DiVersos - Poesia e Tradução / n .º 28 - fevereiro de 2019 (pp: 34, 35)
17.6.19
Áporo
Um inseto cava
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite,
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.
Carlos Drummond de Andrade
Antologia Poética, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2015
cava sem alarme
perfurando a terra
sem achar escape.
Que fazer, exausto,
em país bloqueado,
enlace de noite,
raiz e minério?
Eis que o labirinto
(oh razão, mistério)
presto se desata:
em verde, sozinha,
antieuclidiana,
uma orquídea forma-se.
Carlos Drummond de Andrade
Antologia Poética, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2015
9.6.19
MELODIA
V
Nunca encontrei um pássaro morto na floresta.
Em vão andei toda a manhã
a procurar entre as árvores
um cadáver pequenino
que desse o sangue às flores
e as asas às folhas secas...
Os pássaros quando morrem
caem no céu.
José Gomes Ferreira
POESIA. I, Portugália Editora, Lisboa, Outubro de 1969
Nunca encontrei um pássaro morto na floresta.
Em vão andei toda a manhã
a procurar entre as árvores
um cadáver pequenino
que desse o sangue às flores
e as asas às folhas secas...
Os pássaros quando morrem
caem no céu.
José Gomes Ferreira
POESIA. I, Portugália Editora, Lisboa, Outubro de 1969
1.6.19
TEMPO
O tempo é um velho corvo
de olhos turvos, cinzentos.
Bebe a luz destes dias só dum sorvo
como as corujas o azeite
dos lampadários bentos.
E nós sorrimos,
pássaros mortos
no fundo dum paul
dormimos.
Só lá do alto do poleiro azul
o sol doirado e verde,
o fulvo papagaio
(estou bêbado de luz,
caio ou não caio?)
nos lembra a dor do tempo que se perde.
Carlos de Oliveira
TRABALHO POÉTICO, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 3.ª Edição, 1998
de olhos turvos, cinzentos.
Bebe a luz destes dias só dum sorvo
como as corujas o azeite
dos lampadários bentos.
E nós sorrimos,
pássaros mortos
no fundo dum paul
dormimos.
Só lá do alto do poleiro azul
o sol doirado e verde,
o fulvo papagaio
(estou bêbado de luz,
caio ou não caio?)
nos lembra a dor do tempo que se perde.
Carlos de Oliveira
TRABALHO POÉTICO, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 3.ª Edição, 1998
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