8.2.22

Menino que vais na rua

          (Serenata cínica para o Bettencourt cantar:)

Menino que vais na rua,
não cantes nem chores: berra!
Cospe no céu e na lua
e aprende a pisar a terra.

Aprende a pisar o mundo.
Deixa a lua aos violinos
dos olhos dos vagabundos
e dos poetas caninos.

Aprende a pisar a vida.
Deixa a lua às costureiras
- pobre moeda caída
de quem não tem algibeiras.

Aprende a pisar no chão
o silêncio do luar
sem sentir no coração
outras pedras a gritar.

Pisa a lua sem remorsos,
estatelada no solo...
Não hesites! Quebra os ossos
dessa criança de colo.

Pisa-a, frio, com coragem,
sem olhos de serenata:
que isso que vês na paisagem
não é ouro nem é prata.

Menino que vais na rua,
não chores, nem cantes: berra!
ou, então, salta prà lua
e mija de lá na terra.

José Gomes Ferreira

M. Alberta Menéres e E. M. de Mello e Castro, Antologia da Poesia Portuguesa, 1940-1977, 1.º Volume, Círculo de Poesia Moraes Editores, Lisboa, 1979

Sem comentários:

Enviar um comentário