28.9.23

Nove

Ele contou os amigos
pelos dedos da mão.
Reparei então
que a mão não tinha dedos.

Qassim Haddad

UM ÁRABE É UM ÁRABE, É UM ÁRABE, UM ÁRABE, breve antologia de poesia árabe
, textos introdutórios Daniel Ferreira e Joana Santos, versões e traduções André Simões e Joana Santos, 4.ª edição, contracapa, Vila Meã, Setembro de 2023:44

17.9.23

Procurou de entre todos aquele que mais amava.

Procurou de entre todos aquele que mais amava.
Fê-lo em silêncio, afagando os cães
que envelheciam aos seus pés,
enquanto as mulheres iam cerzindo nos gestos
um rosário de sal.

Qual o lugar do meu discípulo dilecto, inquiriu.
Um homem lembrou-lhe então que ele partira
há muitas luas atrás,

carregando aos ombros um navio em chamas.

Desde esse dia a memória
não mais deixou de rondar a casa

e o velho recolheu-se no jardim onde as estátuas
subiam às árvores com os olhos tão próximos da loucura.


Jorge Melícias


UMA ENTOAÇÃO SOBRE O FOGO, Officium Lectionis edições, Porto, 2021:37

12.9.23

FENÓMENO

Nem ver o eclipse total
nem esperar o cometa Halley:

O sorriso das mães
é o verdadeiro fenómeno.


Nuno F. Silva


Acorda com uma camélia na garganta, edição Debout Sur l'Oeuf, Figueira da Foz, Fevereiro de 2023:12

11.9.23

Breve consideração

à margem do ano assassino de 1973.



Que ano mais sem critério
Esse de setenta e três...
Levou para o cemitério
Três Pablos de uma só vez.
Três Pablões, não três pablinhos
No tempo como no espaço
Pablos de muitos caminhos:
Neruda, Casals, Picasso.

Três Pablos que se empenharam
Contra o fascismo espanhol
Três Pablos que muito amaram
Tês Pablos cheios de Sol.
Um trio de imensos Pablos
Em gênio e demonstração
Feita de engenho, trabalho
Pincel, arco e escrita à mão.

Três publicíssimos Pablos
Picasso, Casals, Neruda
Três Pablos de muita agenda
Tês Pablos de muita ajuda.
Três líderes cuja morte
O mundo inteiro sentiu...
Ô ano triste e sem sorte:

— VÁ PRA PUTA QUE O PARIU!


Vinicius de Moraes

História natural de Pablo Neruda - A elegia que vem de longe / Vinicius de Moraes -  apresentação de Ferreira Gullar; xilogravuras de Calasans Neto - 3.ªedição - São Paulo: Companhia das Letras, 2006