não usa camisa de dormir
não tem olhos de coruja
não levanta a tampa
não apaga a vela
também não tem o rosto de um cadáver
o nosso medo
é um pedaço de papel
encontrado no bolso
«avisar o Wójcik
esconderijo da Rua Dluga incendiado»
o nosso medo
não voa nas asas da ventania
não se senta na torre da igreja
é terra-a-terra
tem a forma
de uma trouxa feita à pressa
com agasalhos
provisões secas
e uma arma
o nosso medo
não tem o rosto de um cadáver
os mortos são gentis para connosco
levamo-los às costas
dormimos debaixo da mesma manta
fechamos-lhes os olhos
retocamos-lhes os lábios
escolhemos lugares secos
para os enterrar
não demasiado fundo
nem demasiado à superfície
Zbigniew Herbert
é um pedaço de papel
encontrado no bolso
«avisar o Wójcik
esconderijo da Rua Dluga incendiado»
o nosso medo
não voa nas asas da ventania
não se senta na torre da igreja
é terra-a-terra
tem a forma
de uma trouxa feita à pressa
com agasalhos
provisões secas
e uma arma
o nosso medo
não tem o rosto de um cadáver
os mortos são gentis para connosco
levamo-los às costas
dormimos debaixo da mesma manta
fechamos-lhes os olhos
retocamos-lhes os lábios
escolhemos lugares secos
para os enterrar
não demasiado fundo
nem demasiado à superfície
Zbigniew Herbert
POESIA QUASE TODA (1956-1998), Introdução de J. M. Coetzee, Selecção de J. M. Coetzee e Alissa Valles, Tradução do polaco e notas de Teresa Fernandes Swiatkiewicz, edição Cavalo de Ferro, Penguin Random House, Grupo Editorial Lda., Lisboa, Outubro de 2024
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