60.
Agudas apontaste ao alvo escuro
velhas setas azedas, já nem picam,
antes, de vício, rodam no seu furo
onde vermes e ranhos se fabricam.
Deitado assim de costas escarpadas
(costas devidas ao que adeus me deu),
cuspo calado as palavras opadas
que zurro ao ar e não chegam ao céu.
Deitado ainda, já nem sei que pé,
que força ou rasto ainda me sustente;
persisto e visto a capa que relê
as palavras antigas do presente,
as palavras, as figas: rodapé
do amor a voar, além, ausente.
Pedro Tamen
Rua de Nenhures, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Março de 2013
26.4.13
25.4.13
CIDADE DOS OUTROS
Uma terrível atroz imensa
Desonestidade
Cobre a cidade
Há um murmúrio de combinações
Uma telegrafia
Sem gestos sem sinais sem fios
O mal procura o mal e ambos se entendem
Compram e vendem
E com um sabor a coisa morta
A cidade dos outros
Bate à nossa porta
Sophia de Mello Breyner
GRADES, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 1970
Desonestidade
Cobre a cidade
Há um murmúrio de combinações
Uma telegrafia
Sem gestos sem sinais sem fios
O mal procura o mal e ambos se entendem
Compram e vendem
E com um sabor a coisa morta
A cidade dos outros
Bate à nossa porta
Sophia de Mello Breyner
GRADES, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 1970
18.4.13
Genealogia
Sabia de onde vinha.
Não pretendia escondê-lo. Do pai e da mãe,
uma mesma herança de fome e de ostentação.
Causa, consequência,
agredido, agressor,
um igual legado de ignorância e de escravatura,
de poder e de impotência.
Diria de onde vinha,
e que quando confrontado com a sua própria violência
o tempo acaba sempre por se vingar.
Mais raramente a história.
Madalena de Castro Campos
O FARDO DO HOMEM BRANCO, Edição Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, Março de 2013
Não pretendia escondê-lo. Do pai e da mãe,
uma mesma herança de fome e de ostentação.
Causa, consequência,
agredido, agressor,
um igual legado de ignorância e de escravatura,
de poder e de impotência.
Diria de onde vinha,
e que quando confrontado com a sua própria violência
o tempo acaba sempre por se vingar.
Mais raramente a história.
Madalena de Castro Campos
O FARDO DO HOMEM BRANCO, Edição Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, Março de 2013
6.4.13
RESPONSO
Com um tiro no artelho,
viva o velho!
Com um tiro no abdome,
passa-te a fome!
Com um tiro no nariz,
«Que é que ele diz?».
Com um tiro no rabo,
podes ir de rabo a cabo!
Com um tiro na cedilha,
terá de ser doutro a filha...
Com um tiro no coração,
oh que sono e que colchão!
Alexandre O'Neill
POESIAS COMPLETAS, Assírio & Alvim, Lisboa, Maio de 2007
3.4.13
antigos
os amigos puros
como livros eruditos
que ao ser abertos
nos perseguem novos
abertos à faca
de rasgar caminhos
novos pois relidos
pelos passos paralelos
puros porque a faca
nunca trai cobarde
o acaso dos reencontros
e dos regressos
os velhos amigos
chegam sempre a tempo
e ao mesmo tempo
aos seus destinos
a lacre em sangue
olho lince desalmado
sempre fieis ao futuro
amigos longe ao lado
Joaquim Castro Caldas
MÁGOA DAS PEDRAS, Deriva Editores, Porto, Janeiro 2008
como livros eruditos
que ao ser abertos
nos perseguem novos
abertos à faca
de rasgar caminhos
novos pois relidos
pelos passos paralelos
puros porque a faca
nunca trai cobarde
o acaso dos reencontros
e dos regressos
os velhos amigos
chegam sempre a tempo
e ao mesmo tempo
aos seus destinos
a lacre em sangue
olho lince desalmado
sempre fieis ao futuro
amigos longe ao lado
Joaquim Castro Caldas
MÁGOA DAS PEDRAS, Deriva Editores, Porto, Janeiro 2008
1.4.13
DIFÍCIL MEDICINA
Ao curar doenças é preciso usar venenos
uma palavra não quando o sim está na cama.
Pequenas concessões enfraquecem a voz toda
e se um poeta canta esperamos mais um ovo.
Bom para gemadas. Mas há que juntar veneno.
Beba-se a mistura como um álcool que nos queima
e vai matar da cura. O não é como o álcool
em verdade envenenante - o século tresanda!
Basta de alcoólicos. Queremo-nos curados
bons a olhar de novo para a esfinge interrogante.
Havemos de beber outra vez de um vinho puro
nós e as palavras - que elas amam não saber
de sins e de gemadas, de nãos e de venenos.
Carlos Poças Falcão
A NUVEM, Edição: Pedra Formosa, Guimarães, Outubro de 2000
uma palavra não quando o sim está na cama.
Pequenas concessões enfraquecem a voz toda
e se um poeta canta esperamos mais um ovo.
Bom para gemadas. Mas há que juntar veneno.
Beba-se a mistura como um álcool que nos queima
e vai matar da cura. O não é como o álcool
em verdade envenenante - o século tresanda!
Basta de alcoólicos. Queremo-nos curados
bons a olhar de novo para a esfinge interrogante.
Havemos de beber outra vez de um vinho puro
nós e as palavras - que elas amam não saber
de sins e de gemadas, de nãos e de venenos.
Carlos Poças Falcão
A NUVEM, Edição: Pedra Formosa, Guimarães, Outubro de 2000
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