15.12.13

Poema para 2013

          sob o estigma da peste grisalha


Não vou somar aquilo que perdi,
sequer subtrair o que ganhei
ao muito que busquei e persegui
para atingir o pouco que apurei;
não vou patentear, mostrar aqui
o mapa dos caminhos que sonhei,
de tantos, tantos sítios que não vi
e que excedem de longe os que trilhei;
não vou apascentar os desenganos,
por muito defraudado que me sinta,
sequer ajoelhar perante os danos;
e mesmo que o tempo me desminta,
apesar do disfórico ferrete,
bem-vindos sejam os meus sessenta e sete


© Domingos da Mota


10.12.13

PUNHAL EXCELENTE

Já quase não há, o punhal excelente
com que a mim próprio me esventrei algumas vezes
para melhor me desentranhar em versos --

-- esses lícitos salpicos de lama,
essas coisas à toa, hossanas, ambições,
promessas, juras, astutas
ingenuidades: toda essa merda que há
dentro do poeta e com que ele gosta
de borrifar os outros. Para que
não se fiquem a rir.

E eis que agoniza: o gume rombo,
manchas inamovíveis de ferrugem,
incapaz de incisões, definitivamente
inoperacional o punhal excelente.

Paz ao seu aço.

A. M. Pires Cabral

gaveta do fundo, Edições Tinta-da-China, Lda., Lisboa, Novembro de 2013