11.4.16

O offshore da minha rua

    O Tejo é mais belo que o rio que corre na minha aldeia
     Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre na minha aldeia

     Alberto Caeiro


O offshore da minha rua é o mais 
secreto offshore da minha aldeia,
mas o offshore da minha rua não é 
o mais secreto offshore da minha aldeia,
porque na minha aldeia não há offshore.

No offshore da minha rua, o segredo 
é a alma do negócio e as contas 
são caladas, anónimas, discretas. 
Quanto bato à porta do offshore 
da minha rua, ela é aberta por um 
sujeito de nariz absorto, com cara
de porteiro, mas que não é porteiro

nem segurança e, pelo questionário 
em riste, deve ser agente do paraíso 
fiscal, especialista na arte demolidora 
da crítica, mas sempre disposto 
a ignorar os papéis da minha conta.
Perguntei-lhe há dias se os poemas 
concretos, as metáforas, os oxímoros 

e outras figuras de estilo, em desuso, 
permanecem resguardados da procura
obsessiva dos coleccionadores 
de inutilidades e, sobretudo, das 
arremetidas do fisco, e ele jurou, 
pela alma de todos os mercados,
que a minha conta (salvo a excepção 

de que nem vale a pena falar, dada 
a total indiferença que sobre ela recai), 
continua seguramente anónima 
e não aguça o mínimo interesse 
dos caçadores de novíssimas estéticas. 
Na minha rua, quem procura 
raridades desse quilate, bate 

quase sempre com o nariz na porta.
Saio do offshore da minha rua 
com a consciência tranquila de um 
anónimo sem rosto, e sem a angústia
de ser denunciado por uma fuga
de informação ou vítima de um ataque 
cibernético.


© Domingos da Mota


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