O Tejo é mais belo que o rio que corre na minha aldeia
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre na minha aldeia
Alberto Caeiro
O offshore da minha rua é o mais
secreto offshore da minha aldeia,
mas o offshore da minha rua não é
o mais secreto offshore da minha aldeia,
porque na minha aldeia não há offshore.
No offshore da minha rua, o segredo
é a alma do negócio e as contas
são caladas, anónimas, discretas.
Quanto bato à porta do offshore
da minha rua, ela é aberta por um
sujeito de nariz absorto, com cara
de porteiro, mas que não é porteiro
nem segurança e, pelo questionário
em riste, deve ser agente do paraíso
fiscal, especialista na arte demolidora
da crítica, mas sempre disposto
a ignorar os papéis da minha conta.
Perguntei-lhe há dias se os poemas
concretos, as metáforas, os oxímoros
e outras figuras de estilo, em desuso,
permanecem resguardados da procura
obsessiva dos coleccionadores
de inutilidades e, sobretudo, das
arremetidas do fisco, e ele jurou,
pela alma de todos os mercados,
que a minha conta (salvo a excepção
de que nem vale a pena falar, dada
a total indiferença que sobre ela recai),
continua seguramente anónima
e não aguça o mínimo interesse
dos caçadores de novíssimas estéticas.
Na minha rua, quem procura
raridades desse quilate, bate
quase sempre com o nariz na porta.
Saio do offshore da minha rua
com a consciência tranquila de um
anónimo sem rosto, e sem a angústia
de ser denunciado por uma fuga
de informação ou vítima de um ataque
cibernético.
© Domingos da Mota
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