2.4.22

O PREÇO DE UM SOLDADO

Em 1938, num artigo sobre outra coisa,
Ezra Pound, que entendia a poesia
como uma ciência hermética
e a economia como uma magia exacta,
o perturbado admirador de Mussolini,
o bricoleur de tradições e exotismos,
o visionário
que naufragou na maré caótica das suas visões,
escreveu, num rapto de lucidez e decência,
o seguinte:
                  «A guerra custa
25.000 dólares por cadáver.
                                         Quero saber
QUEM fica com esses 25.000 dólares.
Esta pergunta parece-me
de criminologia elementar».

Ezra Pound, o pró-fascista retórico,
nunca soube com certeza
quem ficava com esses milhares de dólares,
da mesma forma que não podemos saber
se os beneficiários desse dinheiro fúnebre, ontem e hoje,
conseguem afugentar do repertório dos seus sonhos
os cadáveres anónimos que levam na carteira,
como uma sequência recorrente de mortos sem porquê
que perguntam por quê, enfiados numa carteira.


Felipe Benítez Reyes

OS OSSOS DO MEU DUPLO, TRADUÇÕES DE POESIA, Poemas traduzidos por Diogo Vaz Pinto, Selecção e introdução de Luís Filipe Parrado, Língua Morta, Outubro de 2021

Sem comentários:

Enviar um comentário