20.1.25

Deus Abençoe a América

Lá vão eles outra vez,
Os Ianques e as suas blindadas paradas
Entoando as suas baladas de alegria
A galope pelo vasto mundo
Louvando o Deus da América.

As sarjetas estão entupidas de mortos
Dos que não puderam alistar-se
Dos outros que se recusam a cantar
Dos que estão a perder a voz
Dos que esqueceram a música.

Os cavaleiros têm chicotes que ferem.
A tua cabeça rola para a areia
A tua cabeça é uma poça no lixo
A tua cabeça é uma nódoa no pó
Os teus olhos apagaram-se e o teu nariz
Fareja apenas o fedor dos mortos
E todo o ar morto está vivo
Com o cheiro do Deus da América.


Janeiro 2003


Harold Pinter

Guerra,
Tradução de Pedro Marques, Jorge Silva Melo e Francisco Frazão, edições Quasi







12.1.25

0NFALOSCOPIA II

O homem sonha
Mudar o mapa-múndi,
Alterar fronteiras,
Anexar países,
Ilhas e canais,
Renomear os golfos,
Mares e oceanos,

Impor a lei 
Do mais forte,
Com dólares & armas
(Sobretudo com as armas)
A inimigos e aliados

E, sei lá,
Dominar os céus
E os infernos.
Lúcifer 
Franqueia-lhe a porta.

Se deus quiser 
A obra não nasce.


© Domingos da Mota

3.1.25

soneto das hora de ponta

labirinto das luras: andar vivo
numa lura de veios de aço e luz
que num silvo macio te conduz
o corpo respirando colectivo

no ar, ora abafado, ora lascivo,
dos empurrões desencontrados, dos
magotes, pisadelas e recuos
quando as portas abertas fazem crivo.

das estações do ano só o espectro
por debaixo da terra desengata
um eco em estações que têm perfumes

de suor e azulejos: turbas, metro,
em que tu vais como sardinha em lata
mas depois te libertas em cardumes.


Vasco Graça Moura


uma carta no inverno
, Quetzal Editores, Lisboa, Março de 1997

1.1.25

Um de Janeiro

Não me mostres nenhum norte
nem estradas para lá

A. M. Pires


Não venhas com directrizes,
azimutes, direcções;
o tempo, como as raízes,
não precisa de sermões,
de decretos e alvitres
e nem sequer de parábolas,
de conselhos e palpites ,
mnemónicas ou cábulas.
Não me indiques outro norte:
habituado a nortadas,
enfrentarei o desnorte
que assedie as caminhadas,
se a fortuna, por acaso,
no decurso me der azo.


© Domingos da Mota