I
Juxta crucem, garganteando
altíssimo um flamenco atrevido
-- eis como gosto às vezes de estar.
Outras vezes, contudo, baixo a voz
como um cão amedrontado refugia
por precaução a cauda entre as pernas,
seu modo de agitar uma bandeira branca
-- e não murmuro senão sílabas contritas.
Branco e negro alternados,
honestos por igual.
II
Quem entende isto? Bastará dizer como diria
o meu amigo psiquiatra americano
(se acaso eu tivesse um):
sorry, pá, bipolar, nada a fazer --
-- e com desplante lavar daí as mãos
como um Pilatos de segunda escolha?
Não sei que responder a isto. Sei é que
vou ficando cansado de ter
no meu próprio interior uma arena onde sem brio
nem progresso visível para qualquer dos lados
nos defrontamos eu e o meu touro,
perpetuamente empatados -- muito embora
eu tenha a meu favor o factor casa.
A. M. Pires Cabral
COBRA-D'ÁGUA, Edições Cotovia, Lda., Lisboa, Outubro de 2011
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