Uma casa junto ao Vouga,
rio de água suficiente,
onde apenas se mergulha
até à cintura, a pequena horta
de Virgílio, o amor robustecido
por nenhuma esperança
e tantos livros para ler
- que desculpa vou agora dar
para não ser feliz?
José Miguel Silva
SERÉM, 24 DE MARÇO, Averno, Novembro de 2011
31.1.12
28.1.12
ESTALACTITE
XV
extrema,
insuportável,
quando
o poema
atinge
tal
concentração
que transforma
a própria
lucidez
em energia
e explode
para sair
de si:
Carlos de Oliveira
MICROPAISAGEM, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Setembro de 1969
extrema,
insuportável,
quando
o poema
atinge
tal
concentração
que transforma
a própria
lucidez
em energia
e explode
para sair
de si:
Carlos de Oliveira
MICROPAISAGEM, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Setembro de 1969
24.1.12
SEM NADA
1.
Confiscaram-me os bens:
árvores, raízes, pedras, folhas soltas, os saltimbancos da minha fase
rosa, figuras azuis tremendo de frio, flores ao fundo num cenário de guer-
ra, a colecção das espécies em vias de extinção.
António Ferra
MARIAS PARDAS, & etc, 2011
Confiscaram-me os bens:
árvores, raízes, pedras, folhas soltas, os saltimbancos da minha fase
rosa, figuras azuis tremendo de frio, flores ao fundo num cenário de guer-
ra, a colecção das espécies em vias de extinção.
António Ferra
MARIAS PARDAS, & etc, 2011
19.1.12
À ENTRADA DA NOITE
Fogem agora, os olhos; fogem
da luz latindo.
Estão doentes, ou velhos, coitados,
defendem-se do que mais amam.
Tenho tanto que lhes agradecer:
as nuvens, as areias, as gaivotas,
a cor pueril dos pêssegos,
o peito espreitando entre o linho
da camisa, a friorenta
claridade de abril, o silêncio
branco sem costura, as pequenas
maçãs verdes de Cézanne, o mar.
Olhos onde a luz tinha morada,
agora inseguros, tropeçando
no próprio ar.
Eugénio de Andrade
Os Lugares do Lume, Editora Fundação Eugénio de Andrade, Setembro, 1998
da luz latindo.
Estão doentes, ou velhos, coitados,
defendem-se do que mais amam.
Tenho tanto que lhes agradecer:
as nuvens, as areias, as gaivotas,
a cor pueril dos pêssegos,
o peito espreitando entre o linho
da camisa, a friorenta
claridade de abril, o silêncio
branco sem costura, as pequenas
maçãs verdes de Cézanne, o mar.
Olhos onde a luz tinha morada,
agora inseguros, tropeçando
no próprio ar.
Eugénio de Andrade
Os Lugares do Lume, Editora Fundação Eugénio de Andrade, Setembro, 1998
18.1.12
ESCREVER DEPOIS DE UM DIA DE TRABALHO ÁRDUO
Já não há maçãs
nem laranjas na fruteira
e o cesto do pão
está irremediavelmente vazio.
Ainda assim
escrevo,
ainda assim,
depois de um dia de trabalho árduo.
Depois de um dia de trabalho árduo
os poemas são de pele e osso
e parecem-se estranhamente
com listas de compras,
pão, laranjas,
maçãs,
coisas escritas à mão,
coisas de que precisamos para viver,
coisas em que pensamos só
quando nos fazem falta.
Luís Filipe Parrado
criatura, N.º 6 . NOVEMBRO . 2011, Organizado pelo Núcleo Autónomo Calíope da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa
11.1.12
FIM
Está, então, completo
o instante de serenidade
e de silêncio da
estátua?
Completas as miríades de palavras
sem o corpo
que agora, delas, se demite?
E acaso não se terá demitido sempre
expulsando o espectro
das palavras suaves que não afirmam
nem negam
nem se desacreditam?
Das palavras exaustas
e definitivas?
Repara no que lhes anula
o ímpeto: o vigor da entrega da criança
sozinha e suicida; e diz-me
porque que a privaste, paixão perversa,
de cortar a própria
língua?
Eduarda Chiote
NÃO ME MORRAS, & etc, Lisboa, Maio de 2004
o instante de serenidade
e de silêncio da
estátua?
Completas as miríades de palavras
sem o corpo
que agora, delas, se demite?
E acaso não se terá demitido sempre
expulsando o espectro
das palavras suaves que não afirmam
nem negam
nem se desacreditam?
Das palavras exaustas
e definitivas?
Repara no que lhes anula
o ímpeto: o vigor da entrega da criança
sozinha e suicida; e diz-me
porque que a privaste, paixão perversa,
de cortar a própria
língua?
Eduarda Chiote
NÃO ME MORRAS, & etc, Lisboa, Maio de 2004
5.1.12
CONSOANTES ÁTONAS
Emudecer o afe[c]to português?
Amputar a consoante que anima
a vibração exa[c]ta
do abraço, a urgência
tá[c]til do beijo? Eu não nasci
nos Trópicos; preciso desta interna
consoante para iluminar a névoa
do meu dile[c]to norte.
Inês Lourenço
COISAS QUE NUNCA, &etc, Junho de 2010
Amputar a consoante que anima
a vibração exa[c]ta
do abraço, a urgência
tá[c]til do beijo? Eu não nasci
nos Trópicos; preciso desta interna
consoante para iluminar a névoa
do meu dile[c]to norte.
Inês Lourenço
COISAS QUE NUNCA, &etc, Junho de 2010
1.1.12
A MOEDA DO TEMPO
Distraí-me e já tu ali não estavas
vendeste ao tempo a glória do início
e na mão recebeste a moeda fria
com que o tempo pagou a tua entrada
Gastão Cruz
A MOEDA DO TEMPO, Assírio & Alvim, Outubro 2006
vendeste ao tempo a glória do início
e na mão recebeste a moeda fria
com que o tempo pagou a tua entrada
Gastão Cruz
A MOEDA DO TEMPO, Assírio & Alvim, Outubro 2006
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