nem sempre é fácil
olhar o animal
mesmo que ele te olhe
sem medo ou ódio
fá-lo tão fixamente
que parece desdenhar
o seu subtil segredo
parece ser melhor sentir
a evidência do mundo
que noite e dia ruidosamente
perfura e corrói
o silêncio da alma
Jean Follain
(trad. Jorge Sousa Braga)
ANIMAL ANIMAL um bestiário poético, organização Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, Lisboa, Fevereiro de 2005
30.9.12
25.9.12
E NÓS DENTRO
À direita e à esquerda:
falésias, abismos, referver
de águas indisciplinadas.
Na estreita faixa do meio,
os carris são um pavor
perpendicular.
Ou melhor: são uma corda bamba
por onde avança, estouvado
saltimbanco de olhos vendados,
sem vara e sem cautelas,
o comboio e nós dentro.
A. M. Pires Cabral
QUE COMBOIO É ESTE, Edição Teatro de Vila Real, Dezembro de 2005
falésias, abismos, referver
de águas indisciplinadas.
Na estreita faixa do meio,
os carris são um pavor
perpendicular.
Ou melhor: são uma corda bamba
por onde avança, estouvado
saltimbanco de olhos vendados,
sem vara e sem cautelas,
o comboio e nós dentro.
A. M. Pires Cabral
QUE COMBOIO É ESTE, Edição Teatro de Vila Real, Dezembro de 2005
22.9.12
CINCO ALMAS TRIVIAIS
5
Eu sou
o mais boquiaberto
dos ministros.
Estas finanças
doem
como um calo.
Estas finanças
devem ser um galo
cantando o ouro
que urinam
as crianças.
Estas finanças
devem ser um falo
ubérrimo brasil
de esquálidas
donzelas.
Armando da Silva Carvalho
OS OVOS D'OIRO, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Setembro de 1969
Eu sou
o mais boquiaberto
dos ministros.
Estas finanças
doem
como um calo.
Estas finanças
devem ser um galo
cantando o ouro
que urinam
as crianças.
Estas finanças
devem ser um falo
ubérrimo brasil
de esquálidas
donzelas.
Armando da Silva Carvalho
OS OVOS D'OIRO, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Setembro de 1969
21.9.12
FÔLEGO
Três sílabas
contra a morte
João Pedro Mésseder
Ordem alfabética, Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2000
>> Correio do Porto
contra a morte
João Pedro Mésseder
Ordem alfabética, Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2000
>> Correio do Porto
19.9.12
PONTO DE HONRA
Não sou escrava
de lamento
nem tento ferida
de enfeite
nem uso a raiva
que tenho
como um alfange
no peito
Não talho o sangue
nas pedras
nem uso palavras
de ódio
e não quero anéis
de aceite
para enfeitar os meus olhos
Maria Teresa Horta
MINHA SENHORA DE MIM, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 1971
de lamento
nem tento ferida
de enfeite
nem uso a raiva
que tenho
como um alfange
no peito
Não talho o sangue
nas pedras
nem uso palavras
de ódio
e não quero anéis
de aceite
para enfeitar os meus olhos
Maria Teresa Horta
MINHA SENHORA DE MIM, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 1971
14.9.12
[Não crispes o desespero]
Não crispes o desespero
com os dedos,
nada crepite
à flor da pele.
És um burguês altivo,
dominador, seguro;
mantém o retrato
bem iluminado.
Guarda o que sentes
entre as costelas,
nem o hálito enrugue
o vinco das calças,
os álgidos rebuços.
Se tudo cai ao lado
reforça a couraça...
peneiradas as dúvidas
fragmenta-as na cinza.
Que ninguém pressinta
que os escombros são teus.
Egito Gonçalves
O FÓSFORO NA PALHA, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 1970
com os dedos,
nada crepite
à flor da pele.
És um burguês altivo,
dominador, seguro;
mantém o retrato
bem iluminado.
Guarda o que sentes
entre as costelas,
nem o hálito enrugue
o vinco das calças,
os álgidos rebuços.
Se tudo cai ao lado
reforça a couraça...
peneiradas as dúvidas
fragmenta-as na cinza.
Que ninguém pressinta
que os escombros são teus.
Egito Gonçalves
O FÓSFORO NA PALHA, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Abril de 1970
8.9.12
[pois pois existe um país]
pois pois existe um país
onde o olvido onde pesa o olvido
suavemente sobre as coisas sem nome
ali onde a cabeça cala onde a cabeça é muda
e não se sabe e não se sabe nada
o canto das bocas mortas morre
no areal a viagem cumprida
nada há que chorar
a minha solidão enfim conheço-a bem mal
mas tenho tempo é o que eu digo ainda tenho
[tempo
mas que tempo osso faminto o tempo do cão
do céu que fenece e não cessa a borrasca do
[céu
do raio que trepa mosqueado e tremente
do mícrones e dos anos trevas
querem que eu vá de A a B e eu não posso
não posso sair estou num país sem rastos
sim sim que rica coisa vocês têm aí que rica
[coisa
mas o que é não me façam mais perguntas
espiral de pó de instantes o que é o mesmo
a calma o amor o ódio a calma a calma
Samuel Beckett
POEMAS ESCOLHIDOS, Antologia organizada por Magnus Hedlund, tradução Jorge Rosa e Armando da Silva Carvalho, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Março de 1970
onde o olvido onde pesa o olvido
suavemente sobre as coisas sem nome
ali onde a cabeça cala onde a cabeça é muda
e não se sabe e não se sabe nada
o canto das bocas mortas morre
no areal a viagem cumprida
nada há que chorar
a minha solidão enfim conheço-a bem mal
mas tenho tempo é o que eu digo ainda tenho
[tempo
mas que tempo osso faminto o tempo do cão
do céu que fenece e não cessa a borrasca do
[céu
do raio que trepa mosqueado e tremente
do mícrones e dos anos trevas
querem que eu vá de A a B e eu não posso
não posso sair estou num país sem rastos
sim sim que rica coisa vocês têm aí que rica
[coisa
mas o que é não me façam mais perguntas
espiral de pó de instantes o que é o mesmo
a calma o amor o ódio a calma a calma
Samuel Beckett
POEMAS ESCOLHIDOS, Antologia organizada por Magnus Hedlund, tradução Jorge Rosa e Armando da Silva Carvalho, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Março de 1970
1.9.12
O RUMOR DA SÁTIRA
Depois de ver, na televisão, uma
entrevista com Eugénio de Andrade.
Coitados dos poetas premiados!
Dão-lhes um cheque só pra ver navios,
que não vão viajar depois de velhos,
nem 'screver odes, com flebite, anémicos.
Coitados dos poetas tão dispersos:
não cabem em si próprios nem nos prémios,
soprados e lambidos plos políticos
que citam nas arengas os seus versos.
Coitados, não! Talvez seja bem feito!
A vingança de Deus já não ilude;
e reservado está prémio maior
pra quem da discrição fez seu defeito
e, não contente, dedicou virtude
ao silêncio de Deus e seu sabor.
António Barahona
DEITAR A LÍNGUA DE FORA (Vários Autores), Língua Morta, Julho de 2012
entrevista com Eugénio de Andrade.
Coitados dos poetas premiados!
Dão-lhes um cheque só pra ver navios,
que não vão viajar depois de velhos,
nem 'screver odes, com flebite, anémicos.
Coitados dos poetas tão dispersos:
não cabem em si próprios nem nos prémios,
soprados e lambidos plos políticos
que citam nas arengas os seus versos.
Coitados, não! Talvez seja bem feito!
A vingança de Deus já não ilude;
e reservado está prémio maior
pra quem da discrição fez seu defeito
e, não contente, dedicou virtude
ao silêncio de Deus e seu sabor.
António Barahona
DEITAR A LÍNGUA DE FORA (Vários Autores), Língua Morta, Julho de 2012
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