24.8.14

O PAR QUE ME PARECE

   Pesa dentro de mim
o idioma que não fiz,
   aquela língua sem fim
feita de aís e de aquis.
   Era uma língua bonita,
música, mais que palavra,
   alguma coisa de hitita,
praia de mar de Java.
   Um idioma perfeito,
quase não tinha objeto.
   Pronomes do caso reto,
nunca acabavam sujeitos.
   Tudo era seu múltiplo,
verbo, triplo, prolixo.
   Gritos eram os únicos.
O resto, ia pro lixo.
   Dois leos em cada pardo,
dois saltos em cada pulo,
   eu que só via a metade,
silêncio, está tudo duplo.

Paulo Leminski

POESIA BRASILEIRA DO SÉCULO XX DOS MODERNISTAS À ACTUALIDADE, Selecção, introdução e notas, Jorge Henrique Bastos, Edições Antígona, Lisboa, Fevereiro de 2002

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