8.2.15

Jorge de Sena

HOMENAGEM À GRÉCIA


Os deuses, ladrões,
promíscuos, bestiais,
traiçoeiros, sádicos,
belíssimos às vezes.
Os escravos sacudindo
as oliveiras, remando
nas galés, dormindo
com os donos e as donas,
os filósofos conversam,
Édipo vaza os olhos,
os coros cantam e dançam.
Céu azul, terra seca,
o mar tão cheio de ilhas,
na trípode a sibila.
As colunas dos templos.
Como tudo é estátua de mármore,
e não importa a cabeça
que falta, e os braços
que também faltem,
e o sexo arrancado
pelo tempo ou a vergonha
de parra que novos padres
sonhem bem larga
e comprida. Os deuses
eram confusos. Com nomes
que variavam, lugares 
em que mudavam
de vida. Orestes
será perdoado. Mas
os discípulos de Sócrates
sentam-se na areia,
e o filósofo, diz
Aristófanes, ia
ver a marca lá deixada,
por não usarem cuecas.
Antígona  será morta.
E o vaso castanho e negro
é um caco. As fontes 
secaram. Lagartos
moram no capacete
de Agamémnon. Os deuses
comem galinhas cruas,
cabritos, cabras e bodes,
bebem sangue. Ladrões,
promíscuos, bestiais,
traiçoeiros, sádicos,
belíssimos. Às vezes,
Palas Ateneia emerge
da cabeça de Zeus.
O manto dela custa
muitos dracmas. Será
o dracma a moeda?

1961

Jorge de Sena

PEREGRINATIO AD LOCA INFECTA 70 POEMAS E UM EPÍLOGO, Portugália Editora, Lisboa, 1999

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