31.12.24

2024-2025

Passagem de ano


Está quase a chegar.
Oxalá venha
 
o novo 
com melhor disposição, 

pois o ano que finda, 
Deus o tenha
 
no quinto dos infernos, 
sem perdão.

Se acaso não vier 
com outra onda, outro
 
modo de enfrentar 
a genocida 

desumanidade
que se afunda em 

negócios de morte; 
se a vida não for 

a razão primeira 
da sua vinda, 

melhor será que vá
com o que finda.

© Domingos da Mota

Musa parca

Musa parca
musa muda

Adília Lopes

Apanhar ar, Exemplar n.º 358/400, Assírio & Alvim, Outubro 2010

26.12.24

27 caleidoscópio

o ópio
é o meu
periscópio
revela
o que está
para lá
da água
que está
para cá.
não sei
se os hei
ou se os há
os pedaços
de perna
e braços
para lá
dos sargaços
de cá.
mas a vista
não é má.


Alberto Pimenta


O LABIRITODONTE
, 7 nós, Porto, 2012

23.12.24

Soneto de Natal

       com que a vida resiste, e anda, e dura.

          Pedro Tamen


Não digo do Natal – mas da natura
de quem faz do poder um pesadelo
que aprofunda as sementes da amargura
através do garrote e do escalpelo;

não digo do Natal – mas da tortura
que macera as feridas com desvelo,
impassível à dor que já satura
os ombros causticados pelo gelo.

Dissesse do Natal – seria bom
que pudesse cantar, subir o tom
das loas e dos hinos e dos ritos,

se em vez duma esmola, tão-somente
renascesse o respeito pela gente
que povoa o Natal dos aflitos.

© Domingos da Mota


21.12.24

Solstício de inverno

Não decantes mais poemas
de Natal, a menos que
venham sem barbas nem renas
voadoras, só e se,
para além de originais
na sua extrema nudez,
realcem as radicais
contradições do que vês.

Longe de ser um poema
de Natal, com mais do mesmo,
que se alongue sobre o tema
e reluza, quase a esmo,
este celebra o solstício
de inverno, ab initio.


© Domingos da Mota





19.12.24

A Leitura

Não te deixes enrolar!
És tu quem tem de pagar...
Põe o dedo em cada letra;
pergunta: «Por que está 'qui?»


Alexandre O'Neill


ANOS 70 poemas dispersos, Assírio & Alvim, Outubro 2005

15.12.24

Poema de aniversário

Malgrado a dor fisgada numa perna
que pode ser ciática ou pior,
uma dor que não dorme, não hiberna
nem denota melhoras, apesar

das correntes, massagens, ultra-sons
e doutras abordagens fisiátricas
que exacerbam em vez de mitigar
as previsões sombrias, sorumbáticas;

malgrado o mundo em volta, sem sentido,
sujeito à profusão de ecocídios,
de guerras e disputas aguerridas,
e a braços com terríveis genocídios;

malgrado a lucidez feita num oito,
bem-vindos sejam os teus setenta e oito


© Domingos da Mota

8.12.24

O nosso medo

o nosso medo
não usa camisa de dormir
não tem olhos de coruja
não levanta a tampa
não apaga a vela

também não tem o rosto de um cadáver

o nosso medo
é um pedaço de papel
encontrado no bolso
«avisar o Wójcik
esconderijo da Rua Dluga incendiado»

o nosso medo
não voa nas asas da ventania
não se senta na torre da igreja
é terra-a-terra

tem a forma
de uma trouxa feita à pressa
com agasalhos
provisões secas
e uma arma

o nosso medo
não tem o rosto de um cadáver
os mortos são gentis para connosco
levamo-los às costas

dormimos debaixo da mesma manta
fechamos-lhes os olhos
retocamos-lhes os lábios
escolhemos lugares secos
para os enterrar

não demasiado fundo
nem demasiado à superfície


Zbigniew Herbert

POESIA QUASE TODA (1956-1998), Introdução de J. M. Coetzee, Selecção de J. M. Coetzee e Alissa Valles, Tradução do polaco e notas de Teresa Fernandes Swiatkiewicz, edição Cavalo de Ferro, Penguin Random House, Grupo Editorial Lda., Lisboa, Outubro de 2024

7.12.24

O SOBRETUDO

Sobretudo o silêncio com gola de astracã
o sorriso entretela o sonho assertoado
sobretudo o peludo que se põe de manhã
e à noite é escovado.
Sobretudo o chumaço da cultura nos ombros
e a fazenda inglesa de meia estação.
Sobretudo o cuidado que ao despi-lo pomos
em estarmos vestidos como os outros são.


José Carlos Ary dos Santos

OBRA POÉTICA
, Editorial «Avante!», Lisboa, 1994:157

28.11.24

A noite toda

14.


A noite toda
como a vida
é breve
pra soletrar o mundo
e o teu corpo.


Helder Macedo


RESTA AINDA A FACE
, Escolha e posfácio de Paulo José Miranda, Edição Abysmo, Lisboa, novembro 2015

17.11.24

[Silêncio, terra-mãe, por favor!]

Silêncio, terra-mãe, por favor!

Que fiquem apenas as aves
tecendo, com bicos macios,
os rasgos agrestes da dor.


Victor Oliveira Mateus


EREMUS ET CIVITAS LUCUM Antologia Poética (1984 - 2024), Editora Labirinto, Fafe, 2024

6.11.24

Onfaloscopia

O seu umbigo é o centro
do mundo    do universo
visto por fora  e  por dentro
do direito       ou do avesso:

e sendo o centro do mundo
sempre que gira    rodando
soberbamente              rotundo
onde quer que esteja e quando

é sem dúvida        o maior
dos umbigos e  tão grande
que o universo    em redor
do seu umbigo se expande


© Domingos da Mota

Pequeno tratado das sombras, Busílis, Dezembro 2018

1.11.24

De profundis

Colho as flores negras do tempo
que murcharam no jardim;
as dobras do pensamento
são da cor do tempo assim
que tarda o esquecimento
dos que chegados ao fim
deixaram em testamento
uma saudade sem fim.
Do tempo não colho as rosas,
das searas o seu trigo,
e se adejam mariposas
o seu voo é tão antigo
que me perco, apesar
de ver a estrela polar.


© Domingos da Mota

27.10.24

QUASE-HAIKU

Mudança de hora.
Atrasa-se o relógio
por dentro ou por fora?


Domingos da Mota

Eufeme n.º 23, Magazine de Poesia (Abril/Junho 2022), Editor: Sérgio Ninguém 

24.10.24

Os outros

Como falar dos outros sem falar de nós,
nós que somos os outros para outros
e como eles tantas vezes só
em busca de um lugar que nos acoite?

© Domingos da Mota

23.10.24

Antonio Cicero (1945-2024)



VALEU


Vida, valeu.
Não te repetirei jamais.



Antonio Cicero





Guardar a Cidade e os Livros Porventura, Coleção Plural, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S. A., Lisboa, dezembro de 2020

fraude

a fraude é um petardo
um bluff cinzento
no catre de um frade

é silêncio e alarde

é um útero e um odre
um sabor a vinagre
de uma cabra pobre

é um pedinte abastado

é verso por lebre
de um vate falido
num café da baixa

            garoto fingido


António Ferra


Jogos telúricos (um fio de nylon em pleno deserto)
, Edição Húmus, Vila Nova de Famalicão, Maio de 2024

21.10.24

O ar

O ar tornou-se mais espesso,
mais pesado, mais sombrio
(quase virado do avesso)
e com um cheiro a bafio.

O risco de empestar
tudo o que mexe em redor
é real, e o fedor
será pior, bem pior.


© Domingos da Mota

19.10.24

DEPOIS

Primeiro sabem-se as respostas.
As perguntas chegam depois,
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas.

Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado?
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado.

Porquê, tão tardo, o passado?
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e se é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança

se recolheram também sob
lembranças extenuadas?
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas,
e de poços, e de portas entreabertas,
e sonham no escuro
as coisas acabadas.


Manuel António Pina

NENHUMA PALAVRA E ENHUMA LEMBRANÇA, Assírio & Alvim, Lisboa, Setembro 1999

18.10.24

como voltar a levantar uma árvore

Comece com as folhas, com os
pequenos galhos e os ninhos que
foram sacudidos, desconjuntados
ou desfeitos pela queda; devem ser
recolhidos e fixados novamente
nos seus respectivos lugares. Não
é um trabalho árduo, a menos que
os ramos maiores tenham sido
esmagados ou mutilados.


W. S. Merwin

como voltar a levantar uma árvore, tradução de Jorge Sousa Braga, edição da Flâneur, Porto, Setembro de 2023:3

17.10.24

Este homem que esperou

Este homem que esperou
humilde em sua casa
que o sol lavasse a cara
ao seu desgosto

Este homem que esperou
à sombra de uma árvore
mudar de direcção
ao seu pobre destino

Este homem que pensou
com uma pedra na mão
transformá-la num pão
transformá-la num beijo

Este homem que parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais leve
que a sua própria sombra


António Ramos Rosa

Matéria de Amor
, Prefácio de Arnaldo Saraiva, Editorial Presença, Lda., Lisboa

16.10.24

ERATO DE BRAÇO AO PEITO E AS CONSEQUÊNCIAS DISSO




Erato anda de braço ao peito.

Tropeçou num pleonasmo imprevisto,
estatelou-se, partiu um braço.
Por azar, o braço direito.

O que quer dizer
que terá de passar a acariciar-me
com a mão esquerda.

O que não sei se será bem
a mesma coisa.


A. M. Pires Cabral

Na Morte de Erato, Edições Tinta-da-china, Lda., Lisboa, Outubro de 2024

12.10.24

ENTRE GROU E GRIFO

Que se esconde a dizer?

Nada zumbirá <que não dê sombra> para escrever de sua vida.

Nada ficará  do  fôlego  que  se  alcança  ao  espreitar de olhos

  baixos.

Quem se enfada no patíbulo gramatical

Não escapa

E exclui do seu corpo diante da luz da parte escura,

A lâmpada que sem ser candeia, eleva-se da retina.

Será,  certamente,  escaravelho  malcheiroso,  se  regressa  ao

  mundo, se descalça o sapato.



Tudo o que aqui se disse, desdiz-se. (Nada diz.)


José Emílio-Nelson

ROSA CANINA, Edições Esgotadas, Lda., setembro, 2024

7.10.24

O GUARDADOR DE RETRETES

É uma profissão em desuso
Fornecia as chaves do WC

e papel higiénico (por uma moeda)
e assegurava a limpeza

das instalações sanitárias
O mais humilde dos ofícios

Não conheço outro
de que tanto se aproxime

o ofício de poeta


Jorge Sousa Braga

A Flor Cadáver e Outros Poemas, Assírio & Alvim, Setembro de 2024:42

26.9.24

ÚLTIMA FORMA

Poe. Pound. Pós.
Baudelaire entra no ar
como uma bandeira.
Somos esses passos
perdidos no deserto:
neste lugar-comum nenhum
em pedaços.
Nem sumários.
Sumimos, sim
na sombra, no suor
e o boom do sol
– nu, solo, martelo –
com sua nota de luz
é a última ondalarme
que chega no espaço
no começo deste chão
em que vou cortando tudo
com uma faca que cega.


Armando Freitas Filho


POESIA BRASILEIRA DO SÉCULO XX DOS MODERNISTAS À ACTUALIDADE, selecção, introdução e notas Jorge Henrique Bastos, Antígona Editores Refractários, Lisboa, Fevereiro de 2002

22.9.24

Revoadas

As aves (com os restos 
do verão) partem
às revoadas para o sul
mal o sol lhes dá 
o diapasão.

© Domingos da Mota

18.9.24

OS POEMAS

os poemas são assim coisas que a gente
lê nos livros de versos. há quem diga
que são coisas que a gente sente.
que se fazem quando se rima ante com
violante mas eu prefiro não perceber isso.
os poemas é quando a gente queima os
fósforos todos da carteira ou bebe o vinho
todo da garrafa ou lê um livro do
princípio ao fim ou estamos simplesmente
o olhar ou não dizemos nada ou não
fazemos nada ou caímos nus na mulher
nua ou escrevemos amo-te ou telefonamos
ao acaso ou      os poemas são seres
que nascem ciclicamente. agora por exemplo
vou deixar crescer a barba.

José Alberto Marques


M. Alberta Menéres E. M. de Melo e Castro, Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1997, 2.º Volume, Círculo de Poesia Moraes Editores, Lisboa, 1979:342

15.9.24

PLEBEISMOS VULGARES

Um gajo sem cunhas pediu uma Bolsa.
Nicles, claro!
Dizem que ficou com uma grande cachola.
Que artolas!


Liberto Cruz

ÚLTIMA COLHEITA [poesia reunida 1954-2021], Carlos Nogueira [edição], Officium Lectionis edições, Porto 2022

6.9.24

CODA

Da manhã inicial e límpida
homens de palha destronaram
a chama a favor da combustão
e as palavras de que nascemos
ladram em matilha silenciosa.

Fernando Luís Sampaio

Aprender a Cantar na Era do Karaoke [Roubar o Fogo], Edições tinta-da-china, Novembro de 2018

4.9.24

AQUÁRIO

A rima
o ritmo
os moldes formais

Reparo
nos peixes dentro
de água
As ideias
no cérebro devem mover-se
de uma forma semelhante

A rima
o ritmo
os moldes formais


Joan Brossa


TRANSVERSÕES I, poemas reescritos em português por Zetho Cunha Gonçalves [de 22 poemas de Joan Brossa], editora contracapa, Vila Meã, Julho de 2024

24.8.24

Vulto

Vale a pena insistir, tentar ser visto, 
teimar, obstinar, voltar à carga,
pôr-se em bicos de pés e, de língua em riste,
tornar-se viral como se praga?

Melhor 
será andar fora do séquito, 
seguir como quem está algures incógnito, 
manter-se entre os anónimos, com o mérito 
de saber que não vale um heterónimo.

© Domingos da Mota


21.8.24

MÁ CONSCIÊNCIA

O adjectivo
dá-me de comer.
Se não fora ele
o que houvera de ser?

Vivo de acrescentar às coisas
o que elas não são.
Mas é por cálculo,
não por ilusão.


Alexandre O'Neill

DE OMBRO NA OMBREIRA
, publicações Dom Quixote, Lisboa, Setembro de 1969

10.8.24

DESCRIÇÃO DA GUERRA EM GUERNICA

X


O incêndio desce;
do canto superior direito;
sobre os sótãos,
os degraus das escadas
a oscilar;
hélices, vibrações, percutem os alicerces;
e o fogo, veloz agora, fende-os, desmorona
toda a arquitectura;
as paredes áridas desabam
mas o seu desenho
sobrevive no ar; sustém-no
a terceira mulher; a última; com os braços
erguidos; com o suor da estrela
tatuada na testa.


Carlos de Oliveira

A Leve Têmpora do Vento, Antologia Poética, Selecção e nota de João Pedro Mésseder, Quasi Edições, Novembro de 2001

GINÁSTICA APLICADA

Meu verso cínico é minha terapêutica
e minha ginástica. Nele me penduro
e ergo, em sua precisão de barra fixa.
Nele me exercito em pino flexível,
sílaba a sílaba, movimento controlado
de pulso, e me volteio aparatoso
na pirueta lograda, no lance bem ritmado.

Há um sorriso discreto em minha segurança.

Porém, se às vezes me estatelo, folha Seca
(o verso é difícil e escorregadio), meu verso,
como de vós, ri-se de mim em ar de troça.


Rui Knopfli

Uso Particular (Poemas Escolhidos de Rui Knopfli)
, edição do lado esquerdo, Coimbra / Fundão, Julho de 2017

7.8.24

— Glória —

(Malcolm Lowry)


A glória é como uma terrível catástrofe,
pior que a casa incendiada; enquanto
se abate a trave-mestra, o fragor
da destruição repercute-se cada vez mais depressa;
e tu contemplas tudo aquilo, inane
testemunha da danação.

Como uma bebedeira a glória devora
a casa da alma, revela que trabalhaste
para coisa pouca: para ela -
ah, queria que esse beijo traiçoeiro nunca tivesse
molhado a minha face: queria
fundir-me, só, para sempre, na obscuridade, na noite.


1987 e 1996-97

Herberto Helder 

OUOLOF Poemas Mudados para Português por Herberto Helder, Assírio & Alvim, Lisboa, 1997

5.8.24

HAIKU DO BECO DE SÃO MIGUEL

As palavras são para as ocasiões,
o luto é quotidiano.

Não passou por aqui o amor.


Manuel de Freitas

GAME OVER, &etc, Lisboa, Maio de 2002

31.7.24

Girassóis não tenho

hei-de dizer ao Van Gogh que não tenho girassóis mas
                                     se ele quiser hidranjas azuis
ou mesmo um pinheiro nórdico de cor turquesa e que
                                     abre os braços com ternura
pode vir cá pintar

a porta está aberta


Inácio Nuno Pignatelli

Compêndio de Botânica (árvores, arbustos e plantas de Vila Nova de Cerveira)
, Edições Húmus, Vila Nova de Famalicão, Abril de 2022

27.7.24

[o sol]

o sol
à roda
deixando
sombras nas
costas dos trabalhadores

*

the sun
walks in circles
tossing
shadows onto
laborer's backs


Robert D. Wilson


de: 11 Tanka seguidos de 20 haiku [tradução de Francisco José Craveiro de Carvalho], DiVersos - Poesia e Tradução | n.º 37 Primavera - Verão 2024

22.7.24

RIZOMAS

As vozes dos poetas
que ouço desde criança
são caules submersos na minha fala
a enviar o rumor das raízes

Todos eles navegam
na superfície da minha língua materna
transportando saberes e ignorâncias
transmitindo negrumes e fulgores
cumprindo desvios e sentidos
na ameaça da certeira eternidade
do pó.


Inês Lourenço


Ainda o Lugar Incerto da Procura, Edição Glaciar, Lisboa, Agosto de 2024

18.7.24

Charleville-Mézières

                                  Para Luís Quintais


O discurso
mais curto
de recusa
do Nobel
foi o de Patti
(a Smith):

Rimbaud.


Francisco José Craveiro de Carvalho


Revoada, Edição Húmus, Vila Nova de Famalicão, Setembro de 2023

10.7.24

[a ocidente e antes que soubesse]

a ocidente      e antes que soubesse
geografia       o mar atravessava
os quartos de dormir      fazia a cava
por dentro das plantas        quem merece

seu tempo não possui      a maresia
crescendo entre muros      da cozinha
ao longo corredor        por aí vinha
em sombras e perfis   talvez o dia

houvesse mais rigor   além a rua
o muro dos jardins     perto um novo
desenho de texturas    e é tanto

o tempo que nos dói    que quase nua
imagem vem à mão   e só o povo
conhece bem a festa   tem seu canto

Diogo Alcoforado

espinho quase sempre
27 exercícios com um desenho do autor, ASA Editores, S. A., Porto, Abril de 2004

9.7.24

LÍRIOS

Um dia deixarei para sempre o casaco no cabide da entrada
outras mãos que não as minhas haverá para o recolher
outros olhos pelos meus lhe hão-de fitar depois a ausência.
Depois, nem isso.
Há um momento em que se estende a toalha sobre a mesa dos mortos
como se tivesse sido sempre a mesa dos vivos. Esse dia virá.
Tudo então estará certo e limpo como o esquecimento.
Ou quase assim.

Dispo agora toda esta roupa e escrevo
- sem frio nem perda nem desastre -
a partir desse dia que virá, esse dia depois de mim:

lírios crescem no acaso vivo da relva
uma leve poeira se acrescenta ao ar que não respiro.

Rosa Maria Martelo

SIRINGE, Averno, Lisboa, Março de 2017

8.7.24

DOIS POEMAS DE VIAGEM

I


A solidão é uma magnólia:
autocarro de gente
um cansaço de
pétalas
sem cor


II


A tristeza do tempo
escorre pelo autocarro,
onde o que não vivemos
espera chegar a casa


André Osório

Sala de Operações, Guerra e Paz, Editores, Lda., Março de 2024

5.7.24

[Bato à tua porta sem medo]

Bato à tua porta sem medo
Não tinha ainda nascido
estava no ventre da minha mãe
quando uma grande tristeza
me invadiu

Nunca mais me deixou desde aí
Está comigo agora
que estou velho e doente
e o tempo me arrasta pelos cabelos

O tempo toca o tambor
Não tenho para onde ir
Deixa-me entrar


Kabir


O Nome Daquele Que Não Tem Nome, versões de Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, Março de 2016

23.6.24

Quadra sanjoanina

S. João, o alho-porro,
o cravo e o manjerico
vão na rusga; e eu não corro,
mas em casa é que não fico.


Domingos da Mota

18.6.24

[Como ave de arribação]

Como ave de arribação
também o chapéu de palha
salta de Verão a Verão.


Francisco José Craveiro de Carvalho

As sapatilhas de Usain Bolt e outros tercetos, Companhia das Ilhas, Junho de 2015

16.6.24

[Ontem é passado]

Ontem é passado
o dia de hoje também acaba
a Primavera foge

 

Yosa Buson 

PRIMEIRO AMOR e outros poemas, Editora Licorne, outubro de 2013

13.6.24

Tomamos a vila depois de um intenso bombardeamento

A criança loura
Jaz no meio da rua.
Tem as tripas de fora
E por uma corda sua
Um comboio que ignora.

A cara está um feixe
De sangue e de nada.
Luz um pequeno peixe
- Dos que bóiam nas banheiras -
À beira da estrada.

Cai sobre a estrada o escuro.
Longe, ainda uma luz doura
A criação do futuro...

E o da criança loura?


Fernando Pessoa

OBRA POÉTICA [Cancioneiro] 
I Volume, Organização, prefácio, cronologia e biografia de João Gaspar Simões, Círculo de Leitores, Lisboa, Janeiro de 1986

12.6.24

Ad nauseam

Dão-lhe espaço, tempo, corda,
propalam a verborreia
com que o chefe da horda
tece o canto de sereia,

e matraqueiam até
à náusea os soundbites,
dando vazão à má-fé
com que arrebanha os incautos.


© Domingos da Mota

11.6.24

HEUREKA

Nosso dever acordados
ver tempo passar na pele
não cantar dogma aos ouvidos
do primeiro que passa sem ele

Nosso alibi sentir caos
possuir no sangue a senha
afastar de nós o vale
que treme olhando a montanha

Nosso corpo o mato as silvas
ter nos nervos explosão
tocar fartos mesmo quando
não temos flauta nem pão


Fernando Grade


Maria Alberta Menéres, E.M.de Melo e Castro, Antologia da Poesia Portuguesa 1940-1977, 2.º Volume, Moraes Editores, Lisboa 1979

10.6.24

Volta a mote

Pus meus olhos nũa funda,
E fiz um tiro com ela
Às grades dũa janela.


Ũa dama, de malvada,
Tomou seus olhos na mão
E tirou-me ũa pedrada
Com eles ao coração.
Armei minha funda então,
E pus os meus olhos nela:
Trape! quebro-lhe a janela.


Luís de Camões


LÍRICA, Terceiro volume das Obras Completas, Edição Círculo de Leitores, Lda., Setembro de 1984, 10.ª edição.

1.6.24

O PÃO

Não é ainda um seio
mas quase. Na brancura.
Porém, onda de leite
a branca levedura.

Um mecanismo incerto
de ferro e madrugada.
A fome e o excesso
futuros. Na seara.

A fome e a carência
de sol(o) para a boca.
Não é ainda um campo
de areia. Ou terra solta.

Um campo descampado
um canto com bolor.
É arte que se move
minéria como a água.

Engenho de palato.
Alvéolo de pulmão.
Respira-se o exemplo
de sol. Oxigénio.

Não é ainda um círculo
branco por toda a mesa:
manchado na toalha
de sombra e aspereza.

Não é ainda uma ave
descendo sobre a pele:
um mecanismo triste
movendo a boca breve.


Nuno Guimarães

Entre Sílabas e Lavas: poesia completa, Assírio & Alvim, Abril de 2024

27.5.24

DESAPARECIMENTO PROGRESSIVO

7


Se ninguém sabe o teu nome
encoberto, se os teus dentes
apodreceram, se os pastores
não te reconhecem como o senhor
das cabras que hão-de vir,

não venhas, não serás o rei nem
o roque, viverás nessa mansarda
com as ratazanas e o muito pó
da história, será um romance
mas, crê, nada mais do que isso,


José Viale Moutinho

DESAPARECIMENTO PROGRESSIVO, Editora Exclamação, Lda., Porto, Dezembro de 2023

24.5.24

O POETA E O SOCIAL

14


O poeta tem
objectivos claros,
mesmo quando
parece obscuro.


Alberto Pimenta


O POETA E O SOCIAL - 40 TESES SEGUIDAS DE EXERCÍCIO
PARA MESTRES E MESTRANDOS
e
OS PORTUGUESES NUNCA COMUNGARAM  DO IDEÁRIO MARXISTA
- INSTALAÇÃO DE PALAVRAS EM 6 CAPÍTULOS

Edições Saguão, Abril de 2024

18.5.24

Megafones

Tivesse tento na língua,
outro porte, algum decoro,
e ficaria à míngua
de holofotes, sem o coro

de megafones falazes
que exaltam o despudor
e o propalam, capazes
de levá-lo num andor.

© Domingos da Mota

17.5.24

Música Nua



                100.




 O rio correu entre nós
         ascendendo
para a terra. Espera-nos
         o pó. Um pó
         apaixonado.


Casimiro de Brito

Música Nua, Coisas de Ler Edições, Lda., Setembro de 2017

11.5.24

DEGENERAÇÃO MACULAR

Vejo agora a vida numa nuvem suspensa
sobre a luz clara do dia.
Degeneração macular
disse o médico dos olhos.
Coisas da idade.
E mostrou a imagem de uma espécie de rio
ou ondulante verme de ventre tumefacto
que vi com o olho ainda bom
tapando a mácula.
Ainda assim gostei do nome
a mácula
a mancha
a mágoa serpentina
só não sabia que morava atrás dos olhos
que foram verdes quando havia Primavera.

Helder Macedo

in NERVO / 21 colectivo de poesia Maio/Agosto 2024, editora: Maria F. Roldão

10.5.24

Zangão

Que faz um homem no meio de um pomar florido?
Uma oração entre zangões.

Adelino Ínsua

Bestiário Íntimo
, Edições Húmus, Vila Nova de Famalicão, Março de 2024

5.5.24

Mãe

Tu que foste
Tu que és
Tu que serás
Tu que concebeste

E que pariste
Tu que deste o colo
E amamentaste
Tu que choraste

E que sorriste
Tu que educaste
E acompanhaste

Tu que és
Tu que serás
Tu que partiste

© Domingos da Mota

28.4.24

recado para paulo silenciário

o que diria apolo
do insecto assim votivo
e mudo?
história, se a há, é do inexacto,
do regresso impossível aos silêncios
da quente vizinhança;
e talvez seja
irrespirável a beleza:
a cigarra de eunomo ao atalhar
com seu murmúrio doce
a corda que na cítara partira.
a cigarra de bronze repetiu-a?

Vasco Graça Moura


Os Rostos Comunicantes, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1984

26.4.24

AVENIDA DA LIBERDADE

Embora nunca tenha descido
a pé a Avenida da Liberdade
no dia 25 de Abril
todos os anos desço a pé
a Avenida da Liberdade
no dia 25 de Abril
segurando um cartaz que
só os cegos conseguem ler
gritando palavras de ordem
que só os surdos conseguem ouvir
Embora nunca tenha descido
a pé a Avenida da Liberdade
no dia 25 de Abril
todos os anos desço a pé
a Avenida da Liberdade
no dia 25 de Abril
ou é a avenida que desce em mim
ou a liberdade que desce a avenida
que há em mim
Continuarei a descer a pé
todos os anos
a Avenida da Liberdade
no dia 25 de Abril
mesmo que não haja avenida
mesmo que eu já não esteja
nesta vida


Jorge Sousa Braga

in https://facebook.com/jorge.s.braga - 25 de Abril de 2024

20.4.24

NUMA FRONTE AUSENTE



Terra e noite,
as mãos escavam.
Insistem e desfazem-se
numa fronte ausente.

Na cabeça subsistem
algumas palavras inúteis.

A mão devagar traça
     - vai traçar -
uma rede de sinais de que dependo.
A luz descobre o corpo.

Algumas palavras a mais desaparecem.
Neste instante
a pedra é nua.

António Ramos Rosa


A MÃO DE ÁGUA E A MÃO DE FOGO, Antologia Poética, Selecção e Organização de António Ramos Rosa, Posfácio de Maria Irene Ramalho Sousa Santos, «Fora de Texto», Coop. Editorial de Coimbra, CRL, Coimbra, 1987

9.4.24

VAN GOGH

Devora-me a sede de infinito.
Que vou fazer? Como resolvê-la?
Decido: saio para a noite e fito
o espaço nu, a luz duma estrela.

Eugénio Lisboa

O Ilimitável Oceano (Algumas Observações), Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão, Março de 2001

8.4.24

2.

Alivia o trabalho,
aligeira as palavras.
De quando em vez
dá-lhes sol e água.

Julgas-te para durar?

Ninguém ganha a vida
senão gastando
o que dela sobra.

O mais que fica
são passados em catadupa
sem nome nem morada.

Henrique Manuel Bento Fialho


De Má Condição, Pinturas: Maria João Lopes Fernandes, Composição: Pedro Serpa, Março de 2024:59

4.4.24

POETA JÁ NÃO SOU

Poeta já não sou, se um dia o fui.
Tornei-me opaco, agreste, perdi norte.
O verbo estaca. Mexe, mas não flui
Como fluía dantes, nédio e forte.

Eu sei que não devia assim queixar-me.
O tempo vai e volta, e acaso um dia,
Buscando devaneio e algum charme,
O verbo ganhe frémito e folia.

É isto: tão queridos, sem vergonha,
Os poetas mentem, troçam, manipulam,
Não há lei que bom senso lhes imponha.

Prometo não voltar a inquietar-vos.
E enquanto o sangue e a linfa em mim circulam,
Impedirei que façam de vós parvos.


Fernando Venâncio

(colhido, com a devida autorização, na sua página do Facebook)

31.3.24

[Cerejeiras em flor]

Cerejeiras em flor -
E no entanto
Sofrimento e corrupção


Issa Kobayashi

PRIMEIRA NEVE [haikus], versões de Jorge Sousa Braga, Assírio & Alvim, Lisboa, Novembro de 2002

23.3.24

Pegada de carbono

Sei que não hão de restar
sequer os dentes
nas cinzas do futuro.

Talvez este poema
faça eco
num beco sem saída.

Nem todos os fantasmas
são entidades translúcidas.
Alguns são antes de tudo
a matéria escura da linguagem.


Nuno F. Silva


Sol Subterrâneo, Edição Húmus, Vila Nova de Famalicão, Fevereiro de 2024

17.3.24

FRAGMENTOS

1

Aceita o transitório; nada do que
é definitivo, e dura, te pode atingir.

2

Algo de visível perpassa
nos limites do ser.

3

De noite, o vento partiu
um dos vidros das traseiras.

4

Só o ruído da noite sobrevive
à luz e ao furor matinais.

5

(Se aquelas nuvens, no horizonte,
chegassem até mim...)

6

O fragmento, porém, exprime
o estilhaçar da intensidade.

7

No último fragmento, fixa
o efémero, e repousa.


Nuno Júdice


50 Anos de Poesia - Antologia Pessoal (1972-2022), Publicações Dom Quixote, Março de 2022

16.3.24

DO SENTIMENTO TRÁGICO DA VIDA

Não há revolta no homem
que se revolta calçado.
O que nele se revolta
é apenas um bocado
que dentro fica agarrado
à tábua da teoria.

Aquilo que nele mente
e parte em filosofia
é porventura a semente
do fruto que nele nasce
e a sede não lhe alivia.

Revolta é ter-se nascido
sem descobrir o sentido
do que nos há-de matar.

Rebeldia é o que põe
na nossa mão um punhal
para vibrar naquela morte
que nos mata devagar.

E só depois de informado
só depois de esclarecido
rebelde nu e deitado
ironia de saber
o que só então se sabe
e não se pode contar.


Natália Correia


Antologia Poética [
in Poemas] Organização e Prefácio de Fernando Pinto do Amaral, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Julho de 2002

5.3.24

RAIZ SEMPRE PRESENTE

Raiz sempre presente, e do futuro
mistério aventurado    mal ou bem
e sopro imaculado p'la manhã,
da árvore pendido um doce fruto

que derramado embora a ela     puro
volta de novo, e que é voz e silêncio
dum canto renovado    permanente
que para ser existirá sem música,

zumbido duma brisa acolhedora,
corrente d'água límpida    a fluir
até ser a miragem do meu sonho,

princípio da beleza    mavioso,
luz radiante em raios onde põe
a certeza de nunca ela o cobrir.


António Salvado

Ecos do Trajecto seguido de Passo a Passo, Edição Ricardo Neves Produção Lda., - A.23 Edições, 2014

28.2.24

sátira de John Kaspar a um poeta de mau porte

(sec. XIII)


a flauta do cego
o brilho da bota
o piano de cauda
o ás da batota

um galo a fingir
de crista de prata
e o pombo a grunhir
sem selo na carta

fugi dos poetas
de patas de chumbo
fugi da má rima
um morto é defunto

o Silva das lérias
no bairro galante
é um porco em férias,
um significante
da casta devassa
um pulha tratante
que na greve dos bardos
vestiu de amarelo
e roubou um pedinte
de foice e martelo

de chave encravada
faz soneto frouxo
de sapata rota
é peixe sem lota
é o prego da bota

fugi dos poetas
de patas de chumbo
fugi da má rima
um morto é defunto


António Ferra

lengas e narrativas, Edição Húmus, Vila Nova de Famalicão, Junho de 2022

12.2.24

POEMAS QUOTIDIANOS



81


Onde vamos livres

Onde vamos presos

correr como rios
durar
como pedras

e lançar raízes


António Reis

Poemas Quotidianos, Edições Tinta-da-china, Lda., Lisboa, Julho de 2017

4.2.24

INSULTO AO POEMA

O poema não é lindo
como tantas vezes acham alguns ingénuos
e maus leitores. Pode ser dúvida dor ou disfarce
e tantas outras coisas começadas por d como
devastação desistência despedida ou
por r como raiva rasura ressurreição. Lembro
sempre os versos de Ana Hatherly
E quando o poema é bom
não te aperta a mão:
aperta-te a garganta.

Inês Lourenço

in Inês Lourenço, As Palavras Beijam Sem Carga Viral, pág. 6,
e Andreia C. Faria, Este Fresco Sanatório para o Sangue,
Editor Câmara Municipal do Porto, Porto, agosto de 2021

19.1.24

VER CLARO

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.


Eugénio de Andrade

Os Sulcos da Sede, Edição 1.ª, Setembro, 2001, Editora Fundação Eugénio de Andrade, Porto

17.1.24

PARAÍSO E INFERNO

segundo a teoria
de todos os Santos
Padres, seja Tomás
seja Agostinho, seja
qual for, ganhar o
Paraíso obrigará a
perder tudo o mais,
inclusive raspadinhas...
ganhar o paraíso...
mas como é ele?

não tem nómadas,
só residentes fixos,
como os beatos e santos
e recém-canonizados,
impedidos de alugar
e pior mesmo subalugar,
porque assim é perfeito,
perfeito, para alguns
papas até, e com razão,
mais que perfeito,
ou seja, já foi, era,
não recebe mais, para
já ele acabou, ganhá-lo
é pois ganhar o que na
santa teoria existiu,
mas deu-se-lhe fim:
na prática, teve fim,
eramos tantos a dizer
in eo spero, acabou,
está cheio, mais nada,
acabou, foi, não há.

calma!
os matemáticos
ainda
não concluíram
todos os cálculos.

consegue-se?

do inferno
já conseguiram.


Alberto Pimenta

in
NERVO / 20 Janeiro a Abril de 2024, Editora: Maria F Roldão

9.1.24

Ode ao bolor

                  ad summam


Cheiram a mofo, a bafio,
os que de rosto sombrio
nos prometem o futuro.
Um futuro promissor?

Como se o cheiro a bolor
melhorasse o pão duro.
Fosse mole o pão doutrora,
(mais fresco que o pão d'agora)

e talvez muitos descrentes,
perante as suas promessas,
não as lessem às avessas
e não mostrassem os dentes.

Lembrado do pão amargo
que o diabo amassou,
quem dera fiquem ao largo,
pois com eles eu não vou.


© Domingos da Mota